edição 12 | novembro de 2006
medo(s)

 

a porta de ferro
adriana oliveira

Desde que arrombaram o 201, não tenho paz. Imagino que os ladrões tentarão superar o assalto anterior, subindo mais um andar. Eu, no 301, sem nenhuma segurança, sou uma isca para eles.

 

Peço ao proprietário que coloque uma porta de ferro na entrada de meu apartamento. Faço uma cotação com um serralheiro de minha confiança, mas ele acha caro e fica de mandar o seu pessoal.

 

Um tal de Germano marca comigo de ir ao prédio tirar as medidas da minha porta. Peço ao zelador que faça a  gentileza de acompanhá-lo, pois não estarei em casa. 

 

Uma semana é o prazo. Ele não cumpre, dizendo que o material acabou. Começo a desconfiar de sua honestidade. Marcamos para a próxima semana, no final do dia. Meia hora antes do horário acertado, Germano  me liga, pedindo para fazer o serviço no dia seguinte. Não aceito, pois já esperei demais e não quero passar outra noite assustada.

 

Toca o interfone. Ele chega, com uma hora de atraso. Desço para abrir-lhe o portão. Ele carrega nas costas a porta de ferro cor-de-laranja. Está suando muito. Tem as mãos enferrujadas e lhe faltam dois dentes na frente. Roupas sujas. Os braços continuam fortes, apesar de aparentar mais de cinqüenta anos.

 

Eu reclamo da cor da porta. Ele diz que ainda está sem pintura. Pergunto se vai ficar assim. Ele não responde.

 

Quero saber quanto tempo demora a instalação, pois tenho um compromisso. Ele pede uma tomada para ligar a furadeira, tira de uma maleta um machado e uma espátula. Entra no apartamento. A situação me incomoda.

 

A violência com que trabalha me impressiona. A luz do corredor se apaga. Pulo para acendê-la e aproveito para ficar do lado de fora. Ataco primeiro. Pergunto de onde ele conhece o proprietário. Ele diz ter falado com ele apenas por telefone.

 

Nervosa, vou me colocando perto das escadas. Ofereço-lhe água. Ele enxuga o suor da testa e aceita. Tento disfarçar o tremor nas mãos. Entrego-lhe o copo e volto para o corredor.

 

Olho no relógio. Ele percebe e diz estar acabando. Na pressa, corta o dedo. Furioso, enrola-o em um pano sujo e continua.

 

Vejo que coloca um prego no lugar errado, mas fico quieta.

 

Ele termina o serviço, entregando-me as chaves da porta de ferro. Descemos em silêncio.

 

Na volta, trancafio-me em casa. Sento-me em frente ao computador. Agora sim, posso escrever sem medos.

     

 

 

 

 

delta devil (guillemots)
bruna beber
 

eu sonho que uma gaita
atravessa meus ouvidos
de um lado para o outro 

 

é o blues
quer ficar
pro jantar 

 

e caso vá às últimas
conseqüências, caso morra, caso fique
pra titia

 

o blues vai encantar
a chosen one, vai acordá-la
dos pesadelos.

 

 

 

 

 

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