edição 12
| novembro de 2006
7 poemas so(m)bra
meu corpo
flashback
meus olhos
day after
minha fuga
sob o domínio de pã
tenho medo de avião de táxi, ônibus, elevador de estar a bordo, à deriva de ser conduzida na dança de ser levada na valsa de tocar em uma orquestra de morar em condomínio dos desígnios de deus de vaticínio, acaso, destino de ser alvo de boato, caça, cizânia de estar na mira; na linha de fogo de ficar no banco; de entrar no jogo de engarrafamento no trânsito dos (des)mandamentos da poesia, que me assalta de surpresa da força da natureza raios! tenho fobia de estar amando
tenho pânico de tudo em que não estou no comando
valium acordo cedo:
apocalíptico
pensar no fim
pesos e [des]medidas
sono: brando relevo irrelevante [núpcias nada mais agora só mede te sonho amor
no condomínio barão do rio branco Toda noite, a Maria Helena ouve os gritos e estremece. Ao longe, no escuro lá de fora, começam ainda remotos, indistintos, abafados pelas janelas fechadas. Avançam, contudo, infalíveis, num crescendo, altissonantes e percussivos. São comandos, clamores, urros, às vezes uma estridência ambígua, improvável gargalhada. O coro desarticulado se eleva e chega até o segundo andar. De onde ela escuta, encolhida, as vozes cada vez mais graves, emaranhadas numa confusão de ruídos, tumultos, roncos.
O coro barulhento invade o espaço limpo da sala de estar. Coabitam esses gritos com os livros nas estantes, com os quadros e com a Maria Helena. Ela aumenta o volume da tevê.
Mais fortes são as vozes que adentram a casa, misturadas com pancadas, alvoroços e baques secos que soam tambores. Um cheiro azedo, apodrecido, indica a hora do clímax. Movimento automático, a Maria Helena olha para a porta. Reza: agora eles vêm, hoje eles vêm, vão entrar, vão entrar. Faz promessa, arrepende, quer ligar pro vizinho.
Não dá tempo. Com a mão no intercomunicador eletrônico, percebe sumir, lentamente, cada vez menos audíveis, os garis, os sacos, o caminhão e o lixo. Todo o lixo do rio branco.
amélia ficava lá disponível limpa macia perfumada igual blusa no cabide
quando ele vinha usava-a voltava-se para a parede dormia partia pela manhã
foi visto no shopping de roupa nova
Líria Porto. Professora, mineira, vive em Belo Horizonte. Inédita, tem poemas publicados no Cronópios e na Germina — Revista de Literatura e Arte.
calendário Acho que demorei a descobrir Lygia Fagundes Telles empoeirada e perdida nos livros de meu pai. No dia em que as meninas saltaram do antigo armário esquecido na imensidão daquela nova casa, trazendo no rosto o fardo pesado de dias e anos, o pó que disfarçava a jovial adolescência em capa dura foi como as rugas confundindo a contagem real da idade de minha avó que observava. Tremi. Os mosquitos apareceram para atazanar a noite, contando segredos carregados de insônia e a fantasia mágica chamada coincidência se confirmou quando as cigarras uniformizadas, que até atrasaram em duas horas sua cantoria matinal para que eu acordasse num silêncio repentino de pós-chuva, deitando meus olhos crus, como os dela, nas nuances daquele dia que se abria, virgem, compondo-se ao toque de meus caprichos. Recentemente ganhei de presente uma edição que não demora a empoeirar. A cidade hoje em dia envelhece muito mais rápido e as rugas que vejo são irreconhecíveis de tão escuras.
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