edição 1 |
outubro de 2005
enquanto arde no meu colo a sua
cabeça para baixinha já me fez explodir em gozo, ódio, já me pegou dedos brutos ou pertinho do rosto um murro. mas bater, nunca. quando papai morreu no meu aniversário despedaçado num auto-acidente, eram os primeiros seis meses que namorávamos. no velório, ele, solícito sincero, não saiu de perto. já apaixonada, ele não. Penélope dedicada fui fiando. ele, 16, imprudente, simplório, beberrão, olhos melaço, atleta, gostoso, com os paramentos da idade. sempre aluado, rabiscava que rabiscava. meter mesmo (incrível) só depois de quase três anos, respeitava. os dois, se bem que fogosos, porém pudicos. para os padrões da época, démodé. esses são os anos de desespero possesso, unha e carne. ciumava do vento, ele não. seus tios doidos, seus amigos suicidas, mamãe doente. sabe uma mulher quando ama? não é o da puta pelo seu puto, que disso nem entendo. não nego certa passionalidade latina. "a pele é morenice tendendo ao. reperti-me-ei, ao trigueiro. cor robusta, como bem oferta o étimo hispânico - encarnada. com tais atributos não poderia deixar de ser arisca" ele, disse de mim. uma mulher quando ama não se submete, é senhora. se abre seu corpo ou se se arrasta não se subjuga, é senhora. meu exercício de desvelamento durou até agora. toda pieguice, desregramento, ausências lancinantes e, o que em mim é mais foice, outra. aprontou com descaradinhas. dos 16 aos 24, sedento de todos os álcoois, quando casamos, parou. dessas descaradinhas houve uma. e aí o inferno é um fato. então num paroxismo pedi ao diabo que o arrancasse de mim. chorar, chorar, chorar. instante que quis matá-lo. o inferno foi um fato. conheceu a doninha numa viagem. ele, cabelos anelados, o que rabiscava foi dando conhecer-se, mesmo com a pobreza sempre nos permeando. professora e enfermeira; ele, músculo ou cérebro que fosse, batalhador. meu corpo foi se desvelando com paciência e rigor. da mão medidamente que evitava os seios, avançou centímetro-ano. do lado de dentro das coxas sua boca, por cima da roupa. no pêlo mesmo, mais tarde. foi época de uvas, doces, sugados lá. a briga é uma confissão violenta que funciona como catarse? acabávamo-nos. se ele parou, comecei a beber. o bolo dado por uma amiga quando casamos, presentes práticos d'alguns parentes, vendi a velha casa deixada por papai, comprei móveis. a cama veio muito depois, minha sogra que deu. o colchão no chão, dormíamos. o cheiro, o suor, o pau, os ombros largos, pernas fortes, mesmo grudados sentia saudade. "encarnada é a cor, o corpo, a falha. negro sobre encarnado, resinosa quando excitada, flor que a boca despetalando alimenta. tão sanguínea que quando encaixo demonstra o inseparável dum órgão interno", disse ele de mim. como perdê-lo? preparei o jantar, estávamos naquela calma rotineira onde cada um se recolhe como cobra mas não perde de vista o outro. ele comeu na cozinha. não me olhava mas parecia me ver. hein, neném?! salada e espaguete, um pão salgado, meia taça de sequíssimo, sonífero e veneno, por isso arde no meu colo a sua cabeça.
3 poemas * um vaso suicida verdes asas
passeio afogar-se com grata aceitação
fica o salgado, o doce, o fim
da tarde
7 poemas
girassol falante para patrícia pires girassol
para marlene dalfrete depois do trabalho
leva-me ao fim leva a outro senso leva, liberdade, leva o trem-pulso
o dia todo atrás da asa o dia todo atrás da chave
o dia todo atrás outros dias
atrás da folha que voou.
quanto mais escuro no espelho do oceano branca e iluminada
o jardim seco. e a dama
bebe acorda às onze. lê jornais.
"falam de mim?" confessa ao hóspede, a criada guarda espingarda e
pólvora alguém disse que seu coração é
seco
e veio a luz sem sol oh, lord! won't you buy me
eu só quero ter um chão
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