edição 20 | setembro de 2007
carta para antonia ou um poema de amor

 

1 poema
speranza romero

mientras los bellos ya están en casa

trepando

aún quedamos algunos en la pista de baile

los medíocres

 

Esperanza Romero (Garagoa, Colômbia, 1968) é dona de casa. Dois filhos. Fez três semestres de Contabilidade. Experiência como vendedora porta a porta. Sua obra permanece inédita.

 

 

(im)pedimento
julya v.

Por favor, me aponta o norte. Isso, o norte, que é consecutivamente no mesmo lugar, sem falha nem descanso.

Agora solfeja pra mim aquela música, aquela bonita do sexteto de cordas. É de algum homem desses, clássicos e inacreditáveis, o nome me foge, mas começa com a letra "b". Eu fico com os olhos rasos d'água, você precisa ver isso um dia. Me sinto uma, uma... atriz de cinema, nascida em upsala, ou uma Liv Ullmann; ou uma rainha descalça fingindo todo o resto.

Apaga o abajur. Não, acende. Acende o abajur e perscruta o canto mais íntimo. Seja alma, coração, corpo, seja lá o que for. Eu permito, mas não fecho os olhos, mas permito.

No fim, traz um copo até a borda do vinho mais vagabundo, e deixa que do resto eu cuido.

 

 

feria_dão
líria porto

abriu e fechou o portão

varreu a porta da casa

pôs água na geladeira

deixou a louça lavada

e o moço

nada

deu voltas no quarteirão

contou as folhas das árvores

os ninhos dos passarinhos

os buracos na calçada

e o moço

nada

gastou sola de sapato

furou as meias que tinha

sentiu fome e cansaço

quebrou pratos na cozinha

e o moço

nada

bateu papo com o lixeiro

comeu feijão com farinha

tomou banho passou cheiro

vestiu roupa de domingo

e o moço

nada

a sua espera era rasa

larga e funda é a piscina

 

Líria Porto. Professora, mineira, vive em Belo Horizonte. Inédita, tem poemas publicados no Cronópios e na Germina - Revista de Literatura e Arte. Escreve os blogues Líria Porto e Putas Resolutas.

 

 

10 poemas de amor
márcia maia

adendo

 

eu não queria elegias

árias cantatas

odes 

 

tampouco

 

nada que entre verso

e violino por qualquer

razão

 

se interpusesse

 

eu queria algo arcaico

de que se dissesse

é simples

 

quase tosco

 

e que (roubando ao livro

de fred o título)

ousasse

 

cantar de amor entre os

escombros

 

todos os meus os teus

os nossos mais

íntimos

 

segredos

 

almost blue

 

mais que azul é o céu azul

visto entre os verdes

e essa lua que se achega

almost early

antes de a tarde partir

 

almost velho

vai janeiro em fevereiro e 

os mistérios que em nós

nos inscrevemos

almost jealous

mês nenhum vai descobrir

 

(chet toca à distância e eu

penso em ti

desejo o meu corpo 

almost arde

arderá também o teu longe

de mim?)

 

almost tarde

passa a noite e à madrugada

almost tired

adormeço lado-a-lado

com a saudade

 

almost lonely

almost tua

 

almost blue

 

versos de circunstância

 

diz-me

 

o que se esfumará mais cedo

o ninho balançando pendurado no pinheiro

ou a noite

em que de amor fez-se à varanda um jardim?

 

apontamento de física etérea
 
se o que chamas liberdade dói em mim
não se diz cataclismo ou tempestade.

(é questão mais delicada.)

tem a ver com o modo como cada um
sente e depreende o seu sentir

o que me faz relembrar einstein e a sua
teoria da relatividade:

(se me dói quão tola eu sou.
se tu ris é que és feliz.)

e onde fica o cuidar do sentimento nessa
singular aplicação de tão nobre teoria?

(se fortalece ou agoniza?)

alheio a nós dormita leve em algum ponto
do caminho que nos une e distancia.

 

um poema às três e meia

não o quero num poema às três e meia
saciado ressonando entre os lençóis.
não o quero sob os olhos
sobre a pele.
não o quero quando agora a sós
me quero.

é que o tempo embora seja o mesmo tempo
se renova e reedita (não se esvai).
e esse tempo de marés que
ora vazam
me segreda que em seu bojo
não o inclui.

deixe pois que se guardem as lembranças
dos olhares (desde as pontas dos dedos)
às palavras soletradas
pele-a-pele
que inda dizem em cada língua
eu e você.

não as quero num poema às três e meia.
nem a elas nem a mim nem a mais nada
que sussurre de nós dois sobre
lençóis.
(nem tampouco um poema
às três e meia).

quero só às três e meia assim dormir:
sossegada sob meus lençóis azuis.
se você aqui chegasse
eu diria:
não é hora meu amor
volte depois.

 

en passant

relembrar meio en passant a sua boca
explorando minha pele na varanda

um centímetro e mais outro lentamente
como um mapa que de mim fosse fazer

terminado o explorar da superfície
e revistos um a um cada meandro

sua boca em minha boca se detinha
a buscar na umidade que era a minha
os segredos do meu mar sem escafandro

do oceano vinha em busca da planície
para a mais funda incursão empreender
à caverna aonde arde intensamente

o prazer que nos suscita essa ciranda
se en passant passeia em mim a sua boca

 

versos de circunstância

há dias em que sou frágil
como um castelo de cartas

noutros mar me liquefaço
e espuma despedaço-me aos pés
do rochedo que fui
e já não sou

há dias em que sou frágil
como um castelo de cartas

de amor

 

entre as duas e as três


entre as duas e as três
nada me ocorre

(além de insônia e poemas)

releio Ana Luísa
não me reencontro

à varanda só a noite
e o latir de um cão na vizinhança

(nem saudade)

onde os versos
que eu compunha?

onde o amor
antigo e louco que eu sentia?

(desisto)

talvez me voltem os versos
com o dia

(há louça suja à minha espera
na cozinha)

e o amor não passa de um
fantasma maltrapilho

conversa fiada de quem passou
acordada a madrugada

 

tear

não que seja a madrugada
preâmbulo do dia
 
tampouco réquiem ou epitáfio
de amor inacabado
 
mas um tempo que se arrasta
como se caminhassem
os ponteiros
ao avesso
            
não que sejas a razão da
minha insônia
ou que palpite o coração
ensandecido
à qualquer tênue recordação
de ti
 
(tenho-as tantas)
 
apenas fazes-me falta
 
e entornas essa tua ausência
imensamente calma
 
entre a cama e a janela
sobre o poema
 
onde desfio fio a fio a madrugada

 

ao largo - o coração

 

à luz do sol que nascia

àquele barco entreguei

 

meu coração

 

para que em alto-mar

o depusesse

 

depois muito depois

tu me disseste

 

não ama o coração que

o peixe rói

 

nem dói serenamente

respondi

 

nunca mais nos falamos

depois daquele dia

 

nunca mais dor de amor

eu padeci

 

Márcia Maia (Recife/PE) é médica. Tem poemas publicados na Revista Poesia Sempre nº 15, da Fundação Biblioteca Nacional (novembro de 2001). Em 2002, seu livro Espelhos foi premiado no 3º Concurso Blocos de Poesia. Participou da Antologia Poetrix (2002), da Antologia Escritas (2004), do Livro da Tribo (2004 e 2005), da antologia Poesia do Nascer, editada em Lisboa, Portugal (2005). Foi incluída na antologia Pernambuco, terra da poesia: um painel da poesia pernambucana dos séculos XVI ao XXI (2005). Publicou Espelhos (2003), Um tolo desejo de azul (2003), Olhares/Miradas (2004) e Em queda livre (2005). Escreve em revistas e sites da internet. Edita os blogues Mudança de Ventos e Tábua de Marés.

 

 

 

 

 

 

 

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