morcegos
chocando lâmpadas que iluminam monumentos
por esmola aquecem o frio da noite
é como estar: 1 - entre os restos de comida de teus dentes, 2 - nas migalhas do discurso surdo que lanceia tua garganta, 3 - nos sobejos das embalagens cheirando a leite azedo, 4 - nas cartas destroçadas ao sabor de dedos impetuosos, 5 - nas polaróides desbotadas e sempre mal enquadradas.
e no acaso dos sacos largados na caixa de papelão vai um braço, uma perna, um cotovelo áspero, um resto meu. tudo abandonado à apreciação e ao nojo público.
celesta
Submersa repousava
a carta geográfica de um estranho mundo perdido e ouvia-se longínquo o som da Celesta, minúsculo e secular piano de vidro. Um astrônomo vislumbrava uma nova nebulosa, seria Andrômeda, Lira ou Órion? O tempo deitava-se leve relva, alfombra inefável. Quantos poentes? Tantos quantas as colheitas durante sete ou oito noites, anunciava o fulgor espelhado na órbita do olho de vidro do velho general. Celesta não cansava de ressoar a antiga cançoneta francesa Bonjour amour, Bonjour... A dama do vestido azul ajeitava-se na cadeirinha forrada em brocado oriental e pés de pata de leão, arfando ao repetir docemente e dobrando seu acento hungarês nazi... der nationalsozialist enquanto abanava o leque, impregnando o ar com um perfume de sândalo e almíscar entre os candelabros. Celesta soava incansável, ecoava no mormaço da noite e o encantador sinuava a serpente escarlate. Um regalo ma dame? E contorcia-se em acrobacias dentro do baú de veludo forrado em estilo capitonê. Uma folha seca, atravessando o ar pousou sobre o mármore branco e um vulto, a raposa negra, atravessou o silêncio. O velho apertou a insígnia sobre o peito. Nunca mais, pensou. Sorriu e deixou crescer sobre si e as pontas dos dedos, o capim-açu. E deitou-se ali com o tempo e a escuridão úmida da terra, sem nunca saber se algum dia havia existido. Ao longe, Celesta não cansava de repetir suave a antiga cançoneta francesa, Bonjour amour, Bonjour...
8 poemas
ranços
na boca do
lixo um bafo
danado um sarro
esquisito sabor de
catarro nos
templos ouro em
demasia
necessidades as carências
obtusas extremadas inconscientes
produzem estragos
fissuras atitudes
invertebradas transformam-nos em
moluscos minúsculos
cabisbaixos a contentar-nos com
tudo ciscos esmolas
migalhas fingimentos olhares
dúbios desprezos lixo
andrajos
fino
calibre a rima
arretada sem volta ou
floreio busca a direção do
peito o verso
direto sem curva ou
rebusco tem a precisão do
furo poema ou
tiroteio?
carne de
pescoço megera era
bela nariz
empinado o rei na
barriga quisera vê-la
velha a carregar no
dorso fardos de
remorso como peso
morto
mágicos deuses
penduram estrelas lá no
céu poetas desenham palavras no
papel
principesca sorte é morar no alto da
serra ter esta
janela assistir de camarote todos
os crepúsculos olhar o sol nos
olhos a lua as estrelas as
nuvens dançar na
chuva viver num mundo de asas
abertas azul no
topo verde ao
sopé isto
sim é que é
poder
cardo eu mordia a boca
dele sabia a peçonha na
língua lambia e bebia a
saliva era para engolir
ele morrer
dele do adocicado da
víbora
腹切り com o tanto na
barriga da esquerda para a
direita desabro a
vida a lava escorre e
lava minha honra minha
adaga esta é a paga
geração espontânea
|