edição 33
| dezembro de
2008
fuga. pa(do) ponto de
fuga ela tinha uns olhos secos da
insônia. acordou chorando e a outra lhe perguntou o que ainda uma vez mais
foi lá fazer. (há uma parte dela a querer
recuperar os pedaços que ficaram com a moça, quando se abandonaram. quer
se re-conhecer) não disse nada. como se a
outra tivesse a obrigação de lhe saber quando nem ela é capaz. por que uma
vez que seus corpos se encontram, os silêncios se alargam. e não há quem
suporte tamanha silenciosidade. entre-mentes, o corpo em frêmito- tensão
diz tudo que a boca não pode ou não consegue. que todos esses anos longe.
toda a gente vi-vida, o largo. foi lá que ficou. em cada lugar do passado,
sonhado. e a cada perda de si, fugia pra o novo, como se lá estivesse.
como se de si pudesse evadir. nesse ritual maluco, agregava ainda mais
estrangeiridade. outro caco a se partir. agora, tenta o oposto.
revolver a merda toda. tenta achar os puzzles de si por todos os cantos
(dos) passados. não disse
nada. e por que foi embora?
: estava nauseada. todos se
vão um dia. finda tudo. só portas permanecem. bate-bate-ponto-bate. os
outros desapareceram. as folhas esvoaçaram. cortaram o ar. machucaram-no.
pra terminar ao chão. olhava pra os minúsculos quadradinhos. folhas
pesadas. havia alguém lá fora? referências, simetrias, cacos. restos de
construções. (h)á portas fechadas. o invento. entrar quando quiser, sair
se puder. separar. há um ritual pr'além-portas, pr'além-náusea? havia a
porta. a imensa vontade do abandono de mim. os cacos que me cortaram os
desejos. não foi na jugular. que burra, não?! não, não há coisa no mundo
mais viva que uma porta. mas agora estou aqui. não é isso que
importa? [estou eu e esse ronco no
estômago. sim, estou viva, assim como as coisas existem inutilmente à
minha volta. e pesam, não voam, nem se vão. fogão, geladeira, colchão.
quero desaprender a acordar. que é sempre existindo-nauseante. vou dormir
depois que ela gozar. eu que me esqueço fácil de tudo espero desaprender,
esquecer o ritual do acordar] *** meu amor, seu corpo é poesia
nua fuga mais-que-perfeita
para o ponto em que me perco
no espaço. não me espere para o jantar
vou caminhar sob os trilhos
ver o vento quem sabe o mar
: estou
nauseada (e-ticket
333.333.||pi)
(de Memórias de Patty Flag)
Em nome de minha saúde
mental, gravei apenas um programa. Aos 38 anos, aquelas fantásticas
garotas de vinte me deprimiam com sua exuberância. E nessa mesma festa em que
conheci o produtor da TV Rio, o Capitão Aprígio me abordou (festinhas do
Rio de Janeiro, um capítulo que estou buscando esquecer nessas Memórias), tentou me impressionar
com os galões em sua farda, mas fardas não me diziam nada. Ao contrário,
causam-me repugnância até hoje. Silencioso desde o início,
mudou de abordagem e me disse com os olhos que eu era a moça mais bonita
da festa. Apenas com o "moça", ainda que sem o "bonita", já teria me
conquistado. Duas semanas depois, Aprígio
me perguntou, "Quer viver como uma vagabunda para sempre?" Não, eu não
queria. Estava cansada. Eu não abandonei minha
carreira por ele, como dizem por aí. Minha carreira já havia me abandonado
há muito tempo. Era óbvio demais que ter sido chamada para ser dançarina
na Discoteca do Chacrinha era muito mais uma lufada de sorte que um início
de carreira na televisão. Casamos e eu nunca mais
voltei aos estúdios da TV Rio. O sexo era um rito:
delicadamente ele pedia — quase em silêncio, sexta após sexta, (todas as
sextas e apenas às sextas) até que já não precisasse mais pedir, apenas
uma pequena anuência com as pálpebras — que eu passasse sua farda. Ele
vestia. Em seguida, calçava as botas para eu engraxá-las, nua, de gatinhas
no chão. Seguia-se certa violência
simulada que eu suportava repetindo baixinho e nauseada, das ist nicht deine Schuld.
Lembranças da Alemanha que nunca lhe revelei. Amigos insinuavam que era
viado, que se casou comigo porque era uma forma de estar com todos os
homens que um dia estiveram em mim. Não entendo nada de psicologia, foi um
bom marido, deixou-me pensão e o apartamento em
Copacabana. Em seu velório, lustrando as
três estrelas de seu uniforme, sussurrei, das ist nicht deine Schuld: não é
sua culpa.
2 contos em verdade vos
digo Naquele dia Madalena chorou.
E nem era bem o dia, mas a noite que chegava mansa, morna, enluarada. E
nem era bem um choro, mas um lamento sufocado, estrangulado em algum lugar
entre o coração e garganta. E nem era Madalena, pois que tal era apelido
por ser ela arrependida. Arrependimento, de certeza foi. Pelos dias que
passara vendo a noite vindo lá do fim do mundo. Pelas noites que vivera
vendo o dia de retorno e o nada acontecendo entre isso e aquilo. Pela vida
em branco desenhada com as cores brancas do nada, como branco fora o
vestido que usara em seu corpo arrombado, no dia que não fora prestar
votos ao pé do altar. Naquele dia Emanuel esperou.
E nem era bem o dia, mas a tarde que chegava enfurecida, quente,
ensolarada. E nem era bem espera, mas um anseio sufocado, estrangulado em
algum lugar entre a cintura e
a virilha. E nem era Emanuel, pois que tal era apelido por ser ele o
salvador. Salvador, de certeza foi. Pelos dias que passara vendo a noite
vindo cheia de promessas. Pelas noites que vivera vendo o dia de retorno e
o tudo acontecendo entre isto e aquilo. Pela vida em vermelho desenhada
com as cores vermelhas do desejo, como vermelho fora o cravo que usara na
lapela, no dia em que fora prestar votos ao pé do
altar. E pra sempre e desde então
Madalena é santa pra todo
mundo. E desde então e para sempre
crucificam Emanuel. de luar e
passarinhos Quase tanto quanto isso,
porém menos. O que foi primeiro fica sendo único, nem pela verdade ou que
seja a intensidade, mas pelo espanto de ser primeiro, lugar que nenhum
outro vai tomar, ainda que seja mais. A menina veio comigo, por de dentro
e nem cresceu. Ainda se emporcalha e se lambuza no que de sonho restou lá
no canto onde ela vive. Se da alma, ou coração, vai saber? Deve ser que
tudo seja o mesmo e não sei eu. Hoje é só um, mas tantos foram. O que
ficou me dá sustento pro corpo que aquilo que eu não sei num carece de
alimento outro que não seja a lembrança de que a menina é guardiã. Pudesse
ela ser distraída, queria eu. E roubaria as coisas todas e misturava ao
feijão. E esse que ficou comeria com boca de fome esganada lambendo os
beiços pra que nada escapar pudesse. E a menina poderia crescer alforriada
de ser depositária. E eu iria descansar lá na sombra da mangueira,
esperando o que ficou pra me falar de luar e passarinhos que era disso que o que foi
primeiro sempre e sempre falava. E tanto que numa noite, lua cheia,
passarinho bateu asas e voou.
2 poemas * pteroframes
surgem na
imagem logo se vê o fantasma.
e além
disso se dissolvem
os chuviscos
alguns
seres orgânicos que
me causam
náusea como o carrapato-azul
e a lampreia
e os vagalumes
com lâmpadas
na ponta
de suas bundas
piscam
estroboscópicas mas os piores
são os homens com
monitores voltados
para o próprio
cu e o umbigo colado
no ego
sabendo
que todos acabaremos lá:
sete palmos
abaixo * a arte do
enfarte faz da morte um
desastre um desastre de
cigarros e pressão alta
algo escuro me
ataca a dor do
peido que
dilata é só uma cola na
lata
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