edição 44 | outubro de 2013
temas:  rede | cuspiu no prato que comeu | outubro rosa

 

Viernes Santo, 1971

6:30 a.m.
gertrudis de ville


Querido hijo,

 

Durante toda la semana quis te escrever, pois se passaram muchas cosas que precisa saber, mas primeiro quería pôr todas minhas ideias en orden para saber si al fin consigo relatar una carta coerente.

Primeiro te digo que desde que Kiky saiu daqui em 5 de janeiro, soubemos dele (e de la muchacha com quem andava), solamente una vez e isso seis ou siete semanas después que chegaram a seu destino. Você bem sabe que no me demoro en escribir, pois eu, como quero saber de Vcs, quase sempre respondo las cartas imediatamente. Pues bien, cada vez que me queixava da demora ou de la ingratitud de Kiky, Papi pensava que devia estar com mucho trabajo e que, como estava sem carro e era difícil sua locomoção, por isso não escrevia.

Como na segunda, dia 5, ele fazia aniversário, decidimos telefonar. Estava em casa, conversamos bastante, me disse que esteve muito enfermo com um vírus raro que havia por lá, também nos contou que quase se muere, pois se intoxicou com monóxido de carbono enquanto fazia un viaje de noche em um carro fechado desde Stephens College, onde mora Anamarita (5 horas). Também me falou da boa chance que conseguiu por dois anos, logo depois que conseguir seu M.A. na Universidad de Wayne, em Detroit, Michigan, onde o contrataram para o corpo da Cia. de Actores de la Universidad, com oportunidade de trabajar como professor por umas poucas horas semanais e tambén estudar até conseguir seu M.F.A. Por tudo isso ganharia uns $4 mil por nove meses, e imediatamente aceitou. Anamarita, que pega agora seu B.A. em Stephens, escreveu a Wayne para que a aceitassem, a aceitaram, e decidiram se casar em 25 ou 27 do próximo mês de maio. Por supuesto que a notícia nos tomou de surpresa. Anamarita estava com ele quando falei por telefone, pegou o aparelho e culpou Kiky por não ter nos dito nada antes.

Ela disse que gostaria que algum de nós 2 estivéssemos lá nessa data, pero no creo que va a ser posible. Ela acusa Kiky de "chicken" porque acha que ele devia nos ter contado seus planos e nós nos sentimos sumamente disgustados, pois se não fosse por um telefonema fortuito que fizemos no Domingo não teríamos nos dado cuenta de lo que estava sucediendo.

Puens bien. No sabemos se Kiky te havia escrito e colocado a par das últimas, se não algum comentário você teria feito em suas cartas. Como não o fez, creemos que estabas tan in the dark como nosostros.

Ahora bien. Vamos tratar do seu caso. Queremos que, desde já, nos diga quais são suas providências para depois da sua graduação. Compreendemos que depois de estar con Angélica por tanto tempo, pensarão em se casar. Según mis cuentas, a ela, depois que você se formar, ainda faltará um ano para se graduar enfermeira. Nosotros somos de opinión de que ela deveria se graduar, pois então onde quer que se formem será melhor para você. Mas também achamos que, assim que você se graduar, deveria voltar e cumprir sua residência e prática, e logo, mas se quer fazer a especialização no Brasil, então que fique por aí. Enquanto isso, la niña se gradua e você depois pode fazer o que achar conveniente. Nunca te dissemos nada, pois pensamos que era melhor deixar para você abordar o assunto primeiro. No lo haces, de modo que nos vemos obrigados a fazê-lo, pois não queremos mais surpresas. Por aqui a alguns amigos temos dito que regressará casado, pero tú a nosotros no nos has dicho nada.

Por supuesto que todo esto nos tiene tanto a Papá como a mí sumamente nerviosos.

Eu sei que está muito ocupado, mas por favor responda esta carta hoy mismo.

Para lo demás, todos más o menos bien.

Saludos a todos y escribe hoy mismo.

 

Abrazos,

Papá y Mamá

 

 

4 poemas
heloisa defarge 


o fio do para-raio

 

 

o amor é puta que pariu

sem nenhuma palavra bela

era assim quando

me abrias as pernas

para cuspir melancolias

 

 

 

 

haikai

 

 

este rosa me arrasa

desregula

gozo em pura gula

 

 

 

 

sonho de valsa

 

 

fantasia de mulher

não é seda

colar ou bracelete

fantasia de mulher

é se vestir de gala

 

 

 

 

arreio rosa

 

 

apelo aos teus pelos

meus desesperos

sou mulher apegada

aos teus muitos erros

 

 

antes que a terra o coma
isadora galvão


Quase morri de vergonha quando Luís me olhou de cima a baixo, como se fosse tirar minha roupa ali mesmo, em meio à festa da Joanisa. Senti-me nua, nuazinha e confesso que me lembrei de quando aquele canalha tirava minha roupa, peça por peça, primeiro a blusa, depois a saia, em seguida o sutiã, que aquele infeliz tirava com precisão cirúrgica, e depois... ah, depois deixa para lá, que essas recordações me deixam louquinha. Mas eu não deveria estar me lembrando daquilo!... Ainda mais depois do que ele me aprontou... Não que eu tenha provas, mas, para mim, decidida que sou (escorpiana, meu bem), bastam evidências. Ele jurou que não ficou com Marcela, mas sabe aquelas juras que você percebe nos olhos do infeliz, que nenhuma palavra ali vale um risco n'água?... Porém, agora não importa, que já sei que ele está com Cíntia. Claro que fizeram questão de me dizer isso, jamais perderiam essa oportunidade. E, cá para nós, eu sabia que Cíntia arrastava uma asa para ele, qualquer uma perceberia. Sempre a achei com cara de dada, de vagabunda, mas não poderia esperar nunca que ela fosse ficar com meu namorado tão logo a gente terminasse. A gente, não. Eu terminei! Não sou mulher de dividir homem com ninguém, ou é meu ou não é!... e Luís sabia disso desde a primeira vez que ficamos juntos, em uma festa na casa da Susi, dançando ao som de "Hotel California". Eu disse a ele que perdoava tudo, menos traição. "Um homem teria de ser louco para trair uma mulher como você, meu bem", ele disse. Ah, deus meu, como uma mulher experiente como eu, dois casamentos nas costas (está bem, o segundo nem foi um casamento, e sim um "ajuntamento" de seis meses) cair em uma cantada dessas... E da festa fomos para um barzinho, de lá para uma lanchonete comer um queijo e de lá, é, que seja dito, para a cama. Para minha cama, king size, comprada com o suor desse corpinho aqui, parcelado em dez nada suaves prestações... Não sou dessas de bater nos peitos e dizer que não vai para a cama na primeira noite. Eu pago minhas contas, estou com o condomínio em dia, tenho título de eleitor e sou vacinada... Vou para a cama na hora que que eu quiser e com quem eu bem entender... Mas, aí são outros quinhentos, eu estava era falando de como encontrei Luís na festa da Joanisa. Depois do olhar 43 dele para mim, percebido por todas as mulheres que estavam ao redor, sorry, fui até a mesa de bebidas, onde pedi uma caipirinha. Não que isso tivesse a menor importância para mim, mas percebi que Cíntia não estava com Luís ali na festa. Teriam terminado? Ela teria tido um daqueles ataques dela de frescurite e ficado em casa? Ou aquele cachorro teria mentido para ela dizendo que iria trabalhar para aproveitar e ir à festa sozinho? Não sou daquelas de cuspir no prato em que comeu, mas a verdade é que Luís nunca valeu nada, nem um centavo. Tudo bem que quando está de barba feita é bonito de doer e que na cama, ai, na cama dá conta do recado direitinho e olhe que não sou daquelas mulheres que se aquieta com uma só não... Comigo tem que ter segundo tempo, prorrogação e se possível, disputa de pênaltis... Mas, nesse campo Luís batia um bolão. Eu comecei a ficar excitada pensando nisso, com uma vontade de apertar as pernas, quando percebi aquele canalha olhando para mim e sorrindo. Conversava com um amigo e me olhava. Na certa, estava dizendo que já tinha me comido, homem não é assim? Devia estar se gabando, que fez isso, fez aquilo, me colocou assim e assado, ah, cachorro safado, como é que eu fui ficar com um traste desses? Nessa hora, uma amiga minha, Juliana, me puxou para me apresentar a um carinha, e confesso que saí dali a contragosto (sim, eu estava gostando de ser olhada por Luís e pelo amigo dele, por que, é pecado gostar de ser olhada?). Dez minutos depois, voltei para o mesmo local na mesa de bebidas, atrás de outra caipirinha (e do olhar daquele cachorro, confesso), mas, ele não estava lá. Arrependi-me de ter saído, o sujeito a quem Juliana me apresentou era um porre, só falava do trabalho dele, do trabalho, do trabalho e blablablá, daqui a pouco iria falar do carro, e de como ele era fodão, detesto homens assim. Gosto de homens que me façam rir, que conversem sobre coisas banais, que me olhem como se estivessem tirando minha roupa... Ai meu deus, foi aí que vi Luís vindo na minha direção. Trocou dois beijinhos, disse que eu estava muito bonita, conversou uma lorota qualquer e me convidou para depois da festa ir a uma sushi house perto da casa dele, comer umas coisinhas e tomar um drinque. Claro que a resposta deveria ser um sonoro "Não", afinal, eu sabia o que ele queria. No dia seguinte ia acordar, vestir-se correndo para trabalhar e me dar um beijo na testa, e a noite estaria com Cíntia ou com qualquer outra mulher. Então, ensaiei meu "Não", mas, acabei dizendo "Sim, pode ser...". Ah, aqueles olhos em cima do meu decote (os bicos dos seios já começavam a se ouriçar, como se tivessem vida própria, o que era aquilo, Jesus?). Ele me chamou para dançar. Eu já previ o que aconteceria depois, então, e decidi relaxar de vez. A vida era curta mesmo, todos nós iríamos morrer, de uma forma ou de outra e como disse Vinicius, meu poeta favorito desde que eu era menina, antes que a terra o coma...

 

 

 

©mercedes lorenzo

 

triagem
jane sprenger bodnar


na trama de vazios

escoa o som

escorre a sombra

transborda o líquido.

e o que fica,

dorme,

permanece?

triagem

desfaz-se o rio,

o mar em rendas,

ondas,

sem ecos

evapora

a correnteza.

 

 
 

anfíbio
julya vasconcelos
 

 

 

 

I

 

 

Você gelou as mãos no refrigerador, entre os pedaços de filé e brócolis,

e pôs no meu peito.

Sem saliva ou dentes, sem afago ou rudeza, pôs no meu peito

e foi embora.

Montou nos pés quentes de quem pisa na brasa pra provar

devoção, sem correr.

Foi sem fúria na cara, mas derramou

vinho tinto no sofá, under my skin.

 

 

 

II

 

 

Menos intrigante que o mistério é o seu jeito sem segredos,

aplainado, litorâneo. Prenunciado.

Parece-me uma maçã cortada, sem sementes, feita pra

criança comer sem engasgar.

 

Coça a cabeça, afia a lâmina dos dentes, escora o corpo na parede mais fria (por causa do calor).

Caminha, caminha, passos fortes e simples,

passos de homem.

 

Eu olho você. Respiro grande, pronto, nunca solto o ar.

Aprisiono.

Desminto o que vejo: É, não é; é, não é; é, não é. Porque afirmar o que se vê é frieza demais para mim.

Quem vê não sabe.

Afirmo o que não vejo: uma figueira com os galhos enterrados

e as raízes para o ar, bebendo vento aos galopes,

feitum cavalo de Riobaldo,

 

você.

 

 

 

III

 

 

Levantei pela manhã e os tacos de madeira tinham talhos que

não me diziam nada.

 

©mercedes lorenzo

 

yo, la peor de todas
jussara salazar 


o amante francês sussurra

tendresse ao meu ouvido

era um amante secreto

para não revelar

a verdadeira identidade de lady c

minha avó, lady c sentada

sua biblioteca repleta de moças obscenas

lillys, marys, lisas

doidas suspirando e correndo nuas sobre a relva

enquanto o amante francês sussurra

tendresse

em meu ouvido

pois não seria justo para ela, lady c

a que não amou entre os morangos vermelhos

(lá nunca brotaram morangos vermelhos

mas imensas jacas com

seu visgo espalhado entre as sombras)

perder-se entre os muros velhos

de um quintal sem nome

cair na rede como um peixe

num dia qualquer de fevereiro 

 

 

 

compartilhar:

 
 
temas | escritoras | ex-suicidas | convidadas | notícias | créditos | elos | >>>