edição 49 | dezembro de 2014
temas:  uma velha canção | o corpo | fim de ano

 

 


©cristina arruda
 
 
 
vibrações
carina castro 


I

 

 

queria morrer quando diziam

limpa essas lágrimas do rosto

como eu 'tivesse suja

quando eu quisesse

vazar dias a fio

como uma cachoeira

jorrando-me

até desfigurar

e dissolver o nó no gogó

a nódoa, o nódulo

deixar de ser

apedranomeiocaminho

pra ser correnteza

 

penso nisso a voz embarga

os olhos se esquecem fixos

sobre o relógio da torneira

contando cada gota

de minhas águas

 

 

 

II

 

 

que coisa doida que me toma

quando te tomo

de assalto

eu que me sobressalto

quase saio do salto

tento sussurrar

mas falo alto

é uma coisa que me lancina

me alucina

um lance magnético

hipnótico

parece narcótico

seria hipotético

ou erótico?

 

 

 

III

 

mais um ciclo em mim se fecha

e eu, concêntrica

abro a mim meu centro

 

nessa arena

me enceno

 

me circunavegam olhares

são meus próprios globos oculares

 

e excêntrica

me vejo

me concentro fora do eixo

um looping lírico

sempre me acomete

um fluxo irregular

porém

cíclico

 

 

Carina Castro (São Paulo/SP, 1988). Poeta, autora do livro de poesia Caravana, e pesquisadora na área de Literatura Comparada. Também se dedica aos textos para crianças e jovens. Estudante de Língua e Literatura Árabe na USP. Assina a coluna "Infante Ingente" na revista Ellenismos. Tem poemas publicados em antologias, revistas digitais e suplementos literários. Reminiscências do mar a embalam a estar perto da poesia, do canto, do sopro, orientar-se pelo que diz o desconhecido. Coleciona e escreve algumas coisas em Tudo é Coisa.

 

 

2 poemas
carla carbatti 


tom

 

 

o limoeiro que você plantou

floresce, onipresente

como sua ausência

ontem as mulheres imigradas

vieram, ofereci-lhes uma limonada

foi bonito ficar demorando-me com elas

catando as misérias nas pregas das saias

pensando em nada

havia uma que estremecia

cheia de uma esperança inquieta

ao encher o peito do vento da primavera

outra que guardava nos olhos

velhas canções das enamoradas

eu chorei vendo os pássaros aprisionados

nas palavras não pronunciadas

eu contei para elas

o dia em que você foi embora

fechou a janela e saiu

deixando no meu ventre

uma nota de céu e sêmen

 

 

 

 

strangers corps I

 

 

 

 

Carla Carbatti: sou ninguém, sou qualquer, carla, como tantas Carlas que há, filhas de Marias, do exílio, da fome e da diáspora; a primeira materna: de Três Pontas por todos os grotões de Minas até BH; a segunda, a minha, para este úmido Campus Stellae, em busca de estrelas perdidas no corpo do meu amado. amo, amo demasiado duas menininhas de olhos acastanhados, mais brilhantes que o sol. nos feriados solto pipas e escrevo com todos os átomos em todosatomos.blogspot.com.es. nos dias de feira faço um mapa losing steps das heterotopias de Clarice, pra isso que chamam de tese, mas eu chamo mesmo é de saltar no abismo com um verbo infinitivo nos lábios...

 

 

©cristina arruda

 

3 poemas
isabela romeiro vannucchi


ao amor que se permitiu esquecer

 

 

Não fosse aquela canção,

a distância

deixar-me-ia

a salvo

do som

que sopra tua palma

a sacodir o adeus.

 

Eu não cantarei ao meu filho

porque

toda canção vira eco.

 

 

 

 

invólucro sacro

 

 

Da essência

 

Meu corpo é esta continência.

É esta corcova que carrego nas costas.

É o que uso

para dizer que alcanço a Terra.

 

Se quiser adentrar-me

Destrua o templo e seja a emanação.

Desdecore-se.

 

Ao fado

 

Se castigam a nudez divina,

O que fariam do ordinário?

Por isso

ao acordar,

visto-me do corpo do dia

e subo o zíper da tez

para não

(es)caparem a alma.

 

(Se, do corpo, levasse algo

escolheria meu polegar de oposição).

 

 

 

 

novo fim

 

 

Há tempos os anos encerram-se em março.

Isto porque nasço todo abril

e faço questão de que seja o primeiro mês do ano.

 

Costumo vestir-me de branco no dia da mentira.

 

Há quem jure que o ano termina em dezembro.

Eu entendo.

A mente precisa de ciclos.

Só a mente.

Porque sabem que, sufocado o brinde,

continuarão sendo o remetente das cartas de amor

e

pisarão em gatos ao sair da igreja

e

comerão muito mais que no ano de trás.

 

Mas

a mentira precisa de ciclos.

 

Eles costumam vestir-se de branco no réveillon.

 

 

Isabela Romeiro Vannucchi nasceu em maio de 1994, em Dourado/SP, cidade em que viveu a infância. Em 2009, mudou-se para São Carlos/SP. Atualmente, mora no Rio de Janeiro, onde cursa Direito, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 2015, aos 20 anos, publica pela Patuá A terça fresta, seu livro de estreia.

 

©cristina arruda

 

2 poemas
jandira zanchi 


plácido

 

 

fluência e confluência no retorno após contorno

na face oeste o labirinto alonga-se entre os vasos

sacrificais  da conseguinte missa

missal  escarlate de muito pão e algum sonho

 

maremotos extintos se acinzentam para um plácido azul

de veleiro branco — nos costados de outra terra cumprimento

as palmeiras  e os dourados de alguma paz

 

enquanto arcanjos — quase santos — me sorriem dois dedos

de suas velhas canções 

arqueadas e elevadas

pela cisma do sol em tão vasto horizonte.

 

 

 

 

azedume

 

 

os sonhos são meu martírio e entre as amenidades de fim de dia

esqueço algumas piras verdades

 

a diferença é em sete cores do arco-íris

o corpo — pote de ouro — esquecido

pela necessidade de expressar

indulgência e boa vontade

 

hoje, já não sei, pois sempre história

coletânea de fatos e guerras

 

água na cabeça é o perfil do dia a dia

 

quando posso conto todas as horas no inventário da ociosidade

 

quando não se tem não se estima

não se pode construir núcleos de despojados

 

colunas e templos frios e explicáveis são o meu tormento

o feito que temo e ao qual me subjugo

 

açudes de azedume

frio é o lume.

 

 

Jandira Zanchi. Poeta e ficcionista. Publicou os livros de poesia Gume de Gueixa (Patuá, 2013), Balão de Ensaio (Protexto, 2007) e o livro virtual A Janela dos Ventos (Emooby, 2012). Integra o conselho editorial da revista eletrônica Mallarmargens.

 

 

 

 

 

» Imagens

 

Mineira de Belo Horizonte, Cristina Arruda é formada em ciências biológicas e odontologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Artista plástica autodidata há mais de 15 anos, vive em Belo Horizonte, onde realizou as exposições individuais Universo Feminino e Rebento, ambas no Centro Cultural Lagoa do Nado, além de exposições coletivas. No Facebook, aqui.

 

 

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