Florbela: A Lua me conta umas coisas, o que ela quer eu boto no papel.

 

 

Marília Kubota - Como a literatura entrou na sua vida?

 

Florbela de Itamambuca - Nas festas lá da igreja lá no centro. Sabe que é cheio de cantoria, né? Pro divino, as folias, são João. Tem um monte de santo tudo cheio da literatura por aí. Sabia que eu e a meninada cantava o pastoril? Azul e vermelho nas trancinhas, a gente saía esmolando nas quadrinhas pro presépio. Mas depois uma tia da Emei do meu mais velho me deixava ouvir a historinha que contava pra sala, sabe? Tudo a criançada caindo de sono na merenda, e é quando comecei a gostar de história no papel. Gosto de ler os salmos de Davi. É Davi, né? Leio Abrão, Isac, Jacó. Queria ser mulher do Salomão. E aqui na praia tem muita gente que faz assim serenata pra de noite, os namorados cheios de conversa fiada na viola. Daí a gente espicha o ouvido pro mar de noite. A Lua me conta umas coisas, o que ela quer eu boto no papel. Outro dia, escrevi um negócio que fiquei ouvindo de um moço bonito rezando jurema no meu pézinho de café. E ficou bonito até.

 

 

MK - O que é poesia para você?

 

Florbela - Poesia é minha mão cheia de terra.

 

 

MK - Quais seus projetos atuais em literatura?

 

Florbela - Cuidar das crianças, ajudar no beabá, ensinar o mais novo a fazer xixi. Tem bastante plantinha que brota aqui todo dia pra regar. E tipo mais um monte de outras coisas.

 

 

MK - Quais os projetos futuros?

 

Florbela - "Queria ser admirado pelos pássaros", escreveu Manoel de Barros. Mas tem a antologia das Escritoras Suicidas que eu queria publicar. E também o meu Livro das águas. Sobre ele Renata Pallottini diz que é um livro precioso. Para Régis Bonvicino, meu soneto vale como vingança, e remete à dicção de Raul Bopp. Mas queria mesmo é acertar na receita do azul-marinho.

 

 

MK - Quem é Florbela de Itamambuca?

 

Florbela - Essa Florbela aí é o dia-a-dia. Viu o que falaram de mim no jornal? Peraí... "Uma autora que toca a linguagem como quem se aproxima de um altar". De Sandra Baldessin para mim.

 

 

MK - Conte um pouco da experiência como editora do site Escritoras Suicidas.

 

Florbela - Olha, ser editora mesmo é que o pessoal, a gente gosta de ver assim, né, que nem um vestido bonito estampado no varal. Fica desse jeito o que as pessoas penduram no site. Daí as meninas querem continuar, senão eu era outra coisa. Prefiro fazer isso com as meninas. Vim pro site ajudar na pescaria.

 

 

 

 

 

Cida Pedrosa: Poesia é um bater de asas que muda a face do tempo.

 

 

Marília Kubota - Como a literatura entrou na sua vida?

 

Cida Pedrosa - Pelos versos dos cantadores de viola e pelas histórias de trancoso contadas por meu pai e por seu Zé Pedro (um grande contador de histórias), lá em Bodocó, no Sertão do Araripe pernambucano. Ouvi literatura antes de aprender a ler. Depois foi um percurso natural e seguro. Sair da oralidade para a palavra escrita. Quando comecei a ler a prosa clássica descobri que muitas histórias eu já tinha ouvido. O poder da palavra sempre me perturbou, acho que por isso caí de cara na escrita desde a adolescência.

 

 

MK - O que é poesia para você?

 

Cida - Para mim é salvação. Uma poderosa máquina de mover montanhas, de construir e desconstruir ideias, um bater de asas que muda a face do tempo.

 

 

MK - Quais seus projetos atuais em literatura?

 

Cida - Estou envolvida em dois projetos. Um pessoal e outro coletivo. No campo pessoal, estou empenhada na divulgação do meu livro, recém-lançado, As filhas de Lilith. Tem um monte de atividades previstas. Lançamentos em várias cidades, inclusive em Paraty, na Off Flip, rodas de conversas com mulheres, um monte de coisas. Quanto ao projeto coletivo, estou empenhada, junto a vários camaradas, em estruturar o Ponto de Cultura Interpoética que é o primeiro ponto de cultura virtual de Pernambuco. Esse é um projeto grande, pois envolve a transformação do site www.interpoetica.com em um portal, a inclusão digital de poetas locais (ainda é muito grande o número de poetas que não se articulam virtualmente, ou nem sequer sabem usar a ferramenta), trabalho de leitura de poesia e sensibilização para a escrita do texto literário em comunidades carentes e por aí vai.

 

 

MK- Quais os projetos futuros?

 

Cida - Tenho que terminar meu livro de poemas Visitação ao Capibaribe e enfrentar a dificuldade de um livro de prosa que tá rondando meu juízo. Experiência difícil, para quem sempre se espalhou na poesia. No mais, quero aprender como furar o cerco da aldeia e cair no mundo.

 

 

MK - Se você fosse incorporar um personagem de ficção, quem seria?

 

Cida - Não sei se para incorporar, mas a personagem que mais me comoveu a vida inteira foi a Úrsula de Cem anos de Solidão, do Gabriel García Márquez. Por toda a sua dor e capacidade de ultrapassar o tempo e as gerações, de ver a vida correr com suas artimanhas às vezes a caminho do nada e de às vezes viver o que era apenas possível viver. Agora para incorporar mesmo acho que quero incorporar a mim mesma, pois minha vida já deu tanta volta, tanto ponto de parada e de partida, que dá até um romance de cordel.

 

 

MK - Conte um pouco da experiência como poeta.

 

Cida - Iniciei muito cedo e nem era boa poeta. Fui ganha pela palavra e quando mudei para o Recife em 1978 fui estudar em uma escola onde tive colegas escritores. Alguns hoje conhecidos como Cícero Belmar, que escreve prosa, Raimundo de Moraes e Eduardo Martins, que escrevem poesia. Editávamos juntos um fanzine, o Momento Poético, com o apoio de nossa professora de literatura, a Flor Pedrosa. Alargamos os horizontes, nos juntamos a outros poetas e começamos a articular o Movimento dos Escritores Independentes de Pernambuco que teve vida ativa até 1987. O Movimento ainda é a minha cidadania literária. Depois dessa experiência já estávamos muito ligados à cena cultural de Recife e, embora cada um tenha ido para um canto, nos restou a experiência coletiva. Até hoje sou marcada por isso. Estou sempre envolvida em um projeto coletivo, como é o caso do Interpoética. Quanto à edição publiquei o meu primeiro livro ainda em 1982, quando tinha 19 anos. Desse livro, hoje não assino a maioria dos seus poemas. Em seguida publiquei o Cavaleiro da Epifania, em 1986, cujos poemas gosto muito, aí veio o Cântaro (2000) e Gume (2005) — este último tá sendo traduzido para o francês. Como me envolvo demais em militância literária, parece carma, termino escrevendo menos do que devia. Essa é uma das minhas metas: aprender a militar menos e a escrever mais.

 

 

 

 

Jane Sprenger Bodnar: Eu seria a estátua de um anjo de cemitério, um vitral.

Ou um pássaro que canta depois da chuva.

 

 

 

Marília Kubota - Como a literatura entrou na sua vida?

 

Jane Sprenger Bodnar - Pelos ouvidos. Lembro, lá pelos meus sete ou oito anos, da minha avó materna Maria Brandina "recitando versos", como ela mesma dizia. Sabia de cor "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias; "A Fonte e a Flor", de Vicente de Carvalho e, especialmente, "Meus Oito Anos", de Casimiro de Abreu, que declamava para os cinco netos. Ela fazia uma ressalva para as netas, em relação aos versos "de camisa aberta ao peito / pés descalços, braços nus", que não ficava bem para uma menina falar uma coisa assim. Mais tarde, encantei-me com a visualidade dos textos poéticos, dos efeitos poderosos que provocavam, apesar das poucas linhas impressas nos espaços em branco das páginas dos livros.

 

 

MK - O que é poesia para você?

 

Jane - Mais do que ser compreendida, ser aceita. Algo que me conforta de uma antiga sensação de deslocamento e solidão em relação ao mundo real, prático, objetivo. Uma forma de expressão, encantamento e recriação. As grandes questões da humanidade continuam envoltas em neblina. A poesia não busca respostas, a poesia serve para "desacostumar as palavras", como disse o poeta Manoel de Barros.

 

 

MK - Quais seus projetos atuais em literatura?

 

Jane - Eu oriento oficinas de literatura para crianças e adolescentes. No Instituto de Educação do Paraná é um projeto de sala de recursos, para jovens estudantes com altas habilidades/superdotação. E também na Fundação Cultural de Curitiba, através da Lei de Incentivo à Cultura. É um trabalho extremamente prazeroso e de grande responsabilidade, onde não tenho a pretensão de ensinar, mas de acompanhar e compartilhar descobertas. Afinal, para esses meninos e meninas as palavras, seus sentidos e significados, estão apenas começando, amanhecendo.

 

 

MK - Quais os projetos futuros?

 

Jane - Em um mundo transbordante de objetos, mensagens, lixo, excessos de todos os tipos, incluindo o ciberespaço, acho um perigo muito grande você querer acrescentar ainda mais coisas.

 

 

MK - Se você fosse incorporar um personagem de ficção, quem seria?

 

Jane - A estátua de um anjo de cemitério. Talvez um vitral. Ou um pássaro que canta depois da chuva.

 

 

MK - Conte um pouco da experiência como poeta.

 

Jane - Minha produção poética, assim como a minha biografia, não é muito linear. Tenho textos publicados em antologias e jornais literários. Com mais dois poetas, Rollo de Resende e Fernando Zanella, publiquei o objeto-poético Homeopoética (poemas em cápsulas), hoje em sua 5ª edição. Na década de 90, integrava o Baú de Signos, um grupo que se reunia para ler e fazer poesia, para depois imprimi-las, em tipografia, na Feira do Poeta. Digamos que foi uma época em que "éramos felizes e não sabíamos". Durante dois anos, mantive uma coluna diária de poesia, intitulada "Aprendiz de Jardim", no jornal "A Notícia", de Joinville. Os poemas ganhavam delicadas ilustrações de artistas diversos. Para a minha filha, como uma forma de me redimir por tê-la condenado, quando quis inventar uma nave espacial para levar as pessoas para a Lua e salvá-las de uma possível hecatombe, escrevi Luísa Cuidadora de Planetas.

 
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