edição 26 | maio de 2008
temas:  inverno | rotina

 

o banheiro
dominique lotte

fica mais, só um pouco, querida

apenas esquentei os motores

no seu corpo que é um rio,

quero explorar a margem esquerda,

nadar pelo meio

e tocar a margem direita,

assim como fizemos o outro dia,

por que não sai logo do banheiro?

sempre leva tanto tempo,

me impacienta,

tem que ser sempre

depois de um amor quente?

essa rotina da mulher pular da cama

logo depois do último gemido

mata toda a poesia,

querida, venha logo,

gosto de ver suas longas pernas

e suas pulseiras nos tornozelos,

todos os meus poemas dessa semana

serão sobre você querida,

enquadrada na porta do banheiro

entrando apressada com a toalha entre as pernas

e saindo preguiçosa com a toalha enrolada na cabeça

 

 

soneto tainha
florbela de itamambuca

 

deitei às onze zonza de cansaço

ê poeira do dia ardendo o zóio

um vento vem golpeia e eu me encoio

no aperto do meu peito com meu braço

 

rotina dessa vida é o chão que traço

na vassoura da creche aonde eu óio

os menino capeta os trigo joio

a vida é uma colheita no mormaço

 

quando eu morrer vai ser que nem tainha

nada tanto e arrastada com mais cem

tainha por tainha enreda a linha

 

eu nasci pra pataco e não vintém

mas vou virar o peixe da fezinha

que o caiçara dá pro seu santo, amém

 

 

a esfera despede-se

asfalto flamejante

íris menores

vista que se apaga

sem surpresas

onde a saudade

é rotina

e é supérflua

 

liquetude

julya vasconcelos

 

Faz frio nos olhos de Lúcia,

feito quando se coloca sal na língua da noite e daí chuvisca grosso como se nada mais houvesse no mundo:

 

(telha rachada

 

boca faminta

 

lençóis subterrâneos

 

estreito de Gibraltar sem navios que cheguem ou partam cheios e vazios de tudo)

 

e o céu se põe sedento de qualquer secura verão calor.

e em Lúcia brota a solidão da solidão.

 

Peixes em aquários redondos,

celas individuais.

 

 

 

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