edição 32 | novembro de 2008
temas:  verdade | máquinas

 

o ruído
cida pedrosa

As mãos a tesoura a seda roçando seu braço os fiapos de linha caindo na sua cabeça e ela esparramada no chão aos pés da mãe brincando com retalhos e bonecas de pano sem peito. Os pés cheios de veias o pedal hipnótico a carretilha girando em frenesi o ruído que a embalava para além das cores do tecido e as horas do dia.

 

As mãos o papel o cheiro de tinta roçando o nariz  os olhos grudados no texto as letras pairando no espaço e ela esparramada no chão aos pés da irmã fazendo a tarefa de ciência  a lápis grafite e sem o livro com as gravuras do corpo. Os dedos cheios de veias o cilindro hipnótico as teclas saltando em frenesi o ruído que a embalava para além das palavras datilografadas e as horas do dia.

 

As mãos a luz do abajur a almofada de seda roçando no corpo o poema lido e postado ao lado e ela esparramada no chão aos pés do amante de pernas abertas penetrando a si mesma. O pênis cheio de veias o movimento hipnótico o gozo derramado em frenesi sobre o seu rosto e o ruído do vibrador  embalando-a para além dos gemidos e as horas do dia.

 

pescaria
florbela de itamambuca

tiê também faz ninho com tietê

gosto de peixe brabo pra pescar

cê fica nem aí pro meu olhar

vem cá, tô aqui gostando de você

 

mais tá frio que nem doce de frapê

que tá pensando? eu sei do meu lugar

pesquei seu mau humor, seu mal estar

não quer bocar dedinho do meu pé?

 

então vou te contar outro segredo

tem pescador que fura o anzol no dedo

só pra sentir na língua o bom do azedo

 

pois é, o da minhoca, então morde a isca

pisca pra ver, nêgo, só pra mim, pisca

bom é quando tem faina que te arrisca

  

dionaea muscipula
julya vasconcelos

Para dizer o que se quer: na boca, grandes pétalas de dentes-de-leão.

Dentado, Adriano veio. E veio como se vir fosse coisa importante,

como se portasse um documento-denúncia, ou um vaso de orquídeas tibetanas.

Encarava Lígia como se encarnasse um lama.

Então dentro dos seus olhos ela aprendeu um pouco a morrer,

que frieza assim só se vê no Monte Everest à noite,

sem casaco e proteção pras orelhas.

 

 

 
 

8 poemas
líria porto

verdade seja (des)dita

 

o sal na saliva a conversa ácida

a fala ferida o frio sem face

cuidado menina o tempo não serve

a mesma chama que ilumina

derrete a cera das vel(h)as

 

(agás não são mudos coisíssima nenhuma)

 

 

 

 

sinuca

 

quanto mais te explicas

tanto mais fico na dúvida

 

(mentiras cozidas

em verdade

estão cruas)

 

 

 

 

pua

 

não queres saber não perguntes

respostas podem ferir-nos

revelar-nos minúcias

 

verdade é ponta de lança

 

 

 

 

dar de ombros

 

pensem o que pensem

não importa

nem eu sei quem sou

porque vim ou vôo

 

todos

ao pé da letra

temos calo frieira

unha encravada

 

o que nos consola

são meias verdades

e sapatos largos

 

 

 

 

trâmites

 

com quantos desvios

se faz uma curva

 

com quantas mentiras

se formam as dúvidas

 

com quantas verdades

sobrevivemos?

 

 

 

 

(im)polutos

 

entre mim e ti

mentiras in_verdades

 

homem tira as mãos dos meus quadris

não vou permitir que teu abdômen se imponha

não te deites sobre mim

 

tirante a impureza da mente

o hímen permanecerá intato

 

 

 

 

máquina de moer

 

nus domingos

corpos corpos corpos

à bolonhesa

 

rebarbas da semana

 

 

 

 

robot

 

entrega-se à máquina de viver

ajusta-se à engrenagem

aceita a marginalidade

encaixa-se ao contexto

sem medo sem mágoa

tal como uma pedra

ou um bloco

de gelo

 

 

 

 

 

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