edição 37 | outubro de 2009
temas:  os quatro elementos (água, fogo, terra, ar) ou os signos | pés | aquele beijo que te dei

 


danço de pé no chão tô sem sapato
miro o brilho da noite e me alumino
vou treinando pra festa do divino
pé com pé arrasta tunda pico o mato
 
ibiraçu chacoalha os carrapato
pruveita bem as férias meu menino
meu vô disse sabia seu destino
tocar tambor ter mão pra artesanato
 
saí de lá de casa pra brincar
vim pra areia se a praia me molhasse
eu virava a sereia desse mar
 
caboclo ibiraçu vira saci
bate as mão puxa a roda par com par
já sabe cada um é pro que nasce

 

 

 

1 poema
jane sprenger bodnar

poço de pedras e sombras

oceanos deságuam de tachos

o mundo descalço

 

 

  

 

a casa
[tema para a colheita das águas]

jussara salazar

no espelho

diante de meus olhos

reluz o barro da moringa

no segredo que guarda

a água

 

nós dois

     eu e o espelho

bebemos o tempo

bebemos as paredes

carpimos o vento

e a tábua

da madeira os móveis

as cadeiras

a mesa que resiste

feito alma

no meio da sala

 

e a mão que

antes derramava

a água espelhada

nos copos insiste

límpida banha

o sal dos minutos

lava

nosso corpo sobre

o rio se à noite

as corujas riem

piam ao redor

como fantasmas

 

que o tempo

na casa das horas

passa

e meu retrato

feito de água

é vidro

segue a carne do rio

e recolhe as folhas

no vestido

que a correnteza

espalha:

 

colhemos o fruto

comemos o pão

guardamos amores

lavramos o chão 

 

©cristina carriconde
 
 
 

1 poema, 1 miniconto
lia beltrão

 

elementos

 

Ânima lume

acende corpos

e devasta matas

 

Ânima hálito

queima e aquece

segundo o desejo

 

Ânima sólida

brota safras

de lírios e urtigas

 

Ânima líquida

jorra em fontes

e goteja visgos.

 

 

 

 

pés

 

Por muito tempo, meus pés serviram para caminhar. Levar-me pra lá e pra cá, pisar na lama, torrar nas pedras quentes do meio-dia. Sempre tive muitas cócegas nos pés. Você descobriu por acaso e passou a me torturar com os dedos leves. Depois vieram os beijos e depois a língua. Aos poucos, meus pés não queriam mais caminhar. Desejavam a boca que os tinham desviado dos antigos caminhos. Hoje, meu corpo começa pelos pés.

  


©cristina carriconde

 

10 poemas
líria porto

 

elementos mortíferos

 

olhos d'água pés na terra

fogo no rabo ar de sedução

matam qualquer cristão

 

 

 

 

escanteio

 

o meu mestre-sala

dançou com roseli

chegou da dispersão tão distraído

tão esquecido de mim

 

deu-me beijo de bom-dia

e foi dormir

 

 

 

 

per secula seculorum

 

 

tornei-me o invólucro da tua boca

sou eu o teu beijo permanente

ao beijares outra boca beija-a sôfrego

beija-a sedento

estarás a beijar-me como louco

em todos os sabores

e indecências

 

 

 

 

armistício

 

ela vem chuvinha fina

tira a aspereza da terra

e dá um lustro no verde

 

parece quando brigamos

um terno abraço pós-guerra

desfaz intrigas carrancas

 

existem quatro elementos

a água o ar o fogo a terra

o quinto é o amor que temos

 

 

 

 

desânimo

 

um cansaço decantado

parece os pés têm chumbo

dentro de mim bate um bumbo

bam bam bam

 

se eu sumir não procurem

devo estar nalgum escuro

dentro dum buraco fundo

no cu do mundo

 

 

 

 

apetite

 

sem pudor nem pejo

nossos beijos gastronômicos

 

 

 

 

rente

 

um cão que te mordesse o calcanhar

o chão que sujasse tua sola do pé

um bicho-de-pé que coçasses

um sapato apertado

um calo no dedo

qualquer coisa

que não fosse

indiferença

 

 

 

 

pés no chão

 

a lua no alto

o gato a lamber os bigodes

a sonhar com um jarro de leite

 

no mato

olhos no céu

os ratos esperam

que um queijo

despenque

 

vou à janela

e sem ilusão

vejo o satélite

 

 

 

 

poliglota

 

inglesa francesa espanhola portuguesa

pouco importa — beija qualquer língua

 

 

 

 

delicadeza

 

amaciar os passos

e que as pedras não sintam

a dureza dos pés

 

  

  

 

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