edição 42 | setembro de 2010
temas:  masturbação | proposta | phoenix

 

 

frederico
tati skor

Inara não consegue esquecer do primeiro momento em que deitou os olhos em Frederico: perfeito, como se copiado meticulosamente dos seus mais deliciosos sonhos. As feições lembrando as do tio, que bulia com ela, e as do primo predileto, que a iniciara nos segredos do amor.

 

Frederico mais parece caído do céu e ela se umedece a torto e a direito só de vê-lo. E pensar que foi o marido — metido a gourmet — quem o trouxe para ser cozinheiro. Imaginem só!

 

Secundada na culinária, Inara deixa que Frederico locuplete o cônjuge de iguarias ao jantar. Afinal, com a ajuda dos melhores vinhos, o frouxo cai no ronco logo após as lautas e esmeradas refeições.

 

Mas é ela quem devora o cozinheiro durante os dias. Com gula. Sem culpa. Por ser especialista em culinária, Frederico tem um senso de criatividade desenvolvido e sabe como usar e abusar de seus atributos com a patroa.

 

A língua, ah!, a língua! Inara se antecipa em arrepios, acariciando os próprios mamilos enquanto ele se ajoelha. A língua, que sobe e desce, ora numa velocidade delirante ora numa lentidão matreira e exasperante. A língua que entra e sai, rasa e funda, que gira para cá e para lá, que enlouquece e traz o primeiro jorro de gozo na tarde de puro prazer.

 

Os dedos, ah!, os dedos! Ela vai às nuvens quando, deitada nos joelhos de Frederico, é acariciada em todos os cantos. Duas mãos. Todos os dedos vibrando num crescendo que faz seus olhinhos virarem de prazer. Inara molha as coxas peludas de Frederico.

 

Hoje — como sempre — úmida e exausta, é vencida pela gula. Quer mais. Quer morrer ali e agora, com Frederico sobre seu corpo, arranhar os ombros perfeitos, envolvê-lo no férreo torniquete de suas pernas.

 

— Vem, Fredinho, vem, me faz toda sua.

 

Ele subiu. Penetrou-a e... assim ficou.

 

— Vai, Frediiiiinho! Vai, vai! Não para! Nãããão... Agora nãããão!

 

Inara bateu, arranhou, xingou. De nada adiantou: mesmo os robôs mais modernos, como Frederico, não funcionam com bateria descarregada.

 

 

 

 

2 poemas, 1 conto
tatiana alves

harpoesia

 

Minha língua viva e sedenta

Saliva

Maldita

E roça em profanas palavras

 

Minhas mãos suadas e errantes

Tateiam

Malditas

E tocam profanas palavras

 

Por entre línguas e mãos

Toma forma a poesia

Sádica

Lúdica

Lúbrica

 

No prazer do trava-língua

No ardor de uma mão-boba

A poesia se toca

Harpoesia

 

 

 

 

sazonal

 

Mirava os bosques, de todo sem vida

Em sua existência, um ar sepulcral

Era como um cais, já em despedida,

O vento na face batia, glacial.

 

Saudoso do estio dos braços de outrora

Dos tempos do vinho, hoje já vinagre,

Contava as perdas, do tempo que chora

Clamava aos céus por santo milagre.

 

Lembrando o Outono, de folhas caídas,

Chorou pela vida deixada pra trás

Agarra-se às dores, mesmo as sofridas,

Mostrando-lhe tudo de que era capaz.

 

Percebe, enfim, que, nesse umbral,

Há ritmo, hora, e tempo de espera

Se as sombras trouxeram-lhe a dor hibernal,

Aguarda, risonho, pela Primavera!

 

 

 

 

soledad

 

A antipatia fora recíproca. Desde o instante em que foram apresentadas, uma energia diferente apossou-se do lugar. Olharam-se de cima a baixo, como guerreiros que medem o adversário. Nas entrelinhas das palavras de amabilidade — as mínimas necessárias para não ofender a boa educação — parecia haver um som em off, no qual o verdadeiro diálogo era travado, e o seu tom não era nada amigável.

Uma era morena, a outra, alourada. Uma era brasileira, a outra, espanhola. Uma era casada e a outra, solteira, e nesse pormenor residia o ponto-chave do conflito. Não se sabe dizer se foi a antipatia desta por aquela o que a levou a desejar-lhe o marido, ou se a fonte do estranhamento foi o fato de a primeira ter-lhe captado as intenções ao primeiro olhar. A verdade é que se odiaram de imediato e, como num mistério inescrutável, não lhes cabia a análise ou o entendimento.

Motivos de ordem profissional estreitaram o contato entre a estrangeira e o marido, fazendo com que aquela lhes frequentasse a casa. Nessas ocasiões, via-se que a ruína era iminente. Como um cupim que começa sua destruição no anonimato, a estranha iniciou seu ataque de forma sorrateira, detectando as fraquezas de sua presa até envolvê-la. Viúva-negra, utilizara-se de movimentos sutis para enredá-lo em sua teia, para então aplicar o golpe final. E ambos, nessa dança em que os papéis de caça e de caçador não são perceptíveis, profanavam o amor que um dia habitara aquela casa. Baco derrotava Vênus, e ria-se dela em meio aos festins e aos delírios da embriaguez. Contrariando as leis mais antigas, a intrusa desdenhou a hospitalidade, inoculando seu veneno no lar que a acolhia.

À medida que a estrangeira ganhava terreno e se ia infiltrando no campo do inimigo, a esposa mantinha-se em guarda. Ignorava, contudo, que o companheiro se bandeara para o lado do adversário e, junto à outra, mentia-lhe. Enquanto tentava convencê-la a renegar sua intuição, cimentava-lhe o peito com palavras gélidas de desamor.

Entretanto, veneno é amargo, ainda que sobre ele se coloquem favos de mel. A princípio pode enganar aos tolos, mas não àqueles que enxergam com os olhos da alma. O travo amargo é sentido, ainda que mil vezes camuflado, e foi um dia, ao se olhar no espelho, que ela tudo percebeu. A pior das mentiras, pensou, é aquela que se conta a si mesmo. Seu amor pela vida havia sido ultrajado pela inescrupulosa rival, e esse ela não deixaria se esvair. Lembrando-se da avó, por coincidência espanhola, num átimo teve todas as certezas que desejava. Olhou o retrato da ancestral sevilhana e partiu.

A conversa seria breve. Queria saber o rumo que os acontecimentos tinham tomado, e isso era algo para ser resolvido entre as duas. Sua rivalidade transcendia os aspectos do cotidiano, remetendo a existências outras, que talvez pudessem explicar o que nem elas saberiam. O endereço fora anotado de forma cifrada, mas nada como a intuição para trazer-lhe tudo, numa bandeja. Nessas horas, suas ancestrais ciganas pareciam soprar-lhe ao ouvido a resposta desejada. Miseráveis, pensou, tão perto o tempo todo! E num segundo vislumbrou todas as situações e histórias obscuras, nas inúmeras vezes em que a razão silenciosa a tentava a acreditar, enquanto uma voz dentro de si bradava com todas as forças, clamando por atenção.

Como um oponente num duelo, a outra parecia aguardá-la. Saudaram-se educadamente, enquanto a primeira afastava-se para deixá-la entrar. Ela começou a falar, primeiro calmamente, depois de forma passional, com a voz engrolada, tomada pela indignação de quem fora espoliada da forma mais vil. A falta de ética de sua rival, que lhe conhecia os pormenores da casa, que lhe tocara maldosamente os porta-retratos em que jaziam épocas em que ainda sorriam juntos, incomodava-a mais do que a própria disputa.

A torrente de palavras parecia não ter fim, como se as contas a ajustar fossem muito maiores do que se podia prever. Embalada pelo som de sua voz, cujo timbre variava de acordo com a emoção, a moça sequer percebeu que a outra, a quem tinha momentaneamente dado as costas, lançara mão de um estilete em forma de punhal, desses usados para abrir correspondência. O reflexo da lâmina na tela da tevê fê-la abaixar-se. Depois de tudo, a outra tentara matá-la! Mais indignada do que propriamente surpresa, ela levantou-se e encarou a rival com ar de desafio.

Foi então que aconteceu. Tomada por forte emoção, começou a proferir palavras em espanhol. Seus cachos castanhos pareceram ganhar volume, e ela jogou-os para trás, em cascata. Sua gargalhada ressoou pela sala, fazendo com que a outra se encolhesse, assombrada. Trajava ainda os jeans com que viera, mas quem a olhasse naquele momento juraria vê-la em um sensual vestido vermelho. Sua ancestral viera em seu auxílio, para vingá-la. Nessa hora, uma batalha atemporal era travada: era Sevilha contra Vigo, era a andaluza contra a galega, sangues calientes que se enfrentavam. Norte e Sul, água e fogo, dia e noite se confrontavam na pele daquelas mulheres. Suas convicções, muito mais do que seu casamento, haviam sido ultrajadas, e para isso não havia perdão. Em delírio, livrou-se daquela que parecia ter cruzado o oceano apenas para lhe tirar a paz. Após a ter degolado, lambeu sensualmente o punhal, como se esse último gesto lhe desse supremacia em relação à outra. Era uma posse de caráter ritualístico, como se dominar os despojos daquela que havia sido sua rival a tornasse, de certa forma, invulnerável. Em um instante viu-se novamente de jeans, com os cabelos presos por um elástico. Sabia que agora tudo mudara. Não havia mais nada por que lutar. Agora era uma proscrita, fadada a buscar seu rumo mundo afora. Errante, peregrina, sua jornada iria de fato começar. Lembrando-se da avó, decidiu que precisava tomar um novo nome. Como a avó, findaria seus dias forte, porém só. Mudara. Agora era Soledad.

 

 

 

 

4 poemas
valéria tarelho

conjugar você

 

eu não te busco
em outros braços
se em sonhos lúcidos
meus e teus encaixes
se embaraçam

possuo um desejo
insensato — e são —
que não mato em endereço
diverso do teu e meu
— tão nosso — "espaçodentro"

[lugar incerto onde corpos
ocupam arquitetam copulam
sob mesmo teto]

não gozo com
este ou aquele
subterfúgio
assim como
dispenso o número
do orgasmo
supérfluo

vou direto
ao — teu — centro
ao — meu — direito
ao — nosso — verso

correto
é todo movimento
que nos vire
— vare [a]varie —
do avesso

correlato
é conjugar você
de cima a baixo
no temp[l]o amor
do verbo sexo
[que eu invento]

te quero
músculo
másculo
mescla dos sumos
que somamos

onde ainda
nem somos
eu te acho

enquanto te aguardo
eu me basto

 

 

 

 

oásis

 

te proponho
mais calor
:
sair da seara
seca dos 'serás'
vir suar
em meu ser 

tão

saara

 

 

 

 

só me regue

 

eu não te peço muita coisa, honey
apenas um par de
polaroides de viagem
e um help que traduza minha
semi-virgem vertigem
na ponta de outra
[tonta] língua

para que eu capte
no zoom [in]
o oculto sob o azul
da superfície

para que eu intercepte
[e soletre à tez da letra]
a palavra-chave, meu bem
que num passe de
real insensatez

te abre

 

 

 

 

aquarius

 

vamos fazer um trato

:

divido contigo
meus quartos de lua

você me atura
entre quatro
paredes de vidro

meu [es]touro
ateando fogo
em teu [fr]ágil
aquári[d]o

que taurus?

 

 

 

 

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