edição 43 | dezembro de
2010
(capítulo excluído de Memórias de Patty Flag)
o
escuro é a morte do dia
o
escuro é a cura do dia
o
sótão de minha casa aos
dezesseis
noites flutuando sobre o atlântico portas fechadas do cassino da urca
vida
sem
Oromar hospício
o
instante antes
da
projeção o vestido de Marlene
vinil
cantando na agulha vinil
girando
rodando em vão
há
horas
escuro
é morte
é
sorte
em
vão
1970
fogos de artifício iluminam instantâneos
Aprígio
passa noites fora 1970 capitães aprígios passam 1970 noites foras 1970
generais aprígios conspiram o futuro do brasil sou feliz não sei que
existe um rio chamado araguaia de minha janela mar
1948
homens deixam meu quarto um coreógrafo japonês chamado amizade me faz
feliz não sei que existe uma cidade chamada hiroshima de minha janela
boate vogue a voga a vaga os vagalhões
1942
soldados marcham escadas de madeiras
1938
fagulhas de cristais tristeza de uma noite — no mais, felicidade — ainda
não havia aprendido a esquecer o que viria o que
virá
1000
gralhas migalhas gralham por mil
por
mil
por
miudezas
100
você, sem ouro ou mar, sem o eu em mim
ausência
é morte é sorte / morte é sorte / cassino / roleta 10 / 9 / 8 / 7 / 6 / 5
/ 4
3
2
1
não
vou morrer agora fazer dos anos amar
elinha
3 contos
algodão
doce
Agora
só dou as de plástico. Porque depois um tempo não há bolso que aguente
comprar flores vivas para tanto defunto. Quando as pétalas são de verdade,
evaporam na água, no vento e na poeira da tempestade por nada, ou por
remorso, ou por uma falta que jamais será suprida. Mas as flores não têm a
ver com isso. Que mal elas fizeram para que suas mortes sejam apagadas por
alguém que nem vivo está?
Sinto
remorso e falta, sim. Mas o negócio é entre eu e os defuntos. Flores de
plástico não murcham, não têm morte apagada, nasceram pra essas coisas
mesmo. Agora, algumas até ficam girando com o vento e dão mais alegria
aquele mar de silêncio. E depois do dia de finados, eu posso voltar ao
cemitério e aproveitá-las para o próximo ano. Já que, até lá, outras
pessoas morrerão e o estoque terá que ser aumentado.
E
quando eu morrer? Se tudo der certo, não será no dia de finados e eu
tirarei as flores do armário, farei um jardim em cima da cama e deitarei
até o prédio começar a feder e a Dona Eunice chamar os bombeiros. Se
alguém se dispuser a me enterrar, não precisa gastar com essas porcarias e
eu ainda as deixo como herança. Para sempre. Já que plástico demora
trocentos anos para se decompor e essa pessoa certamente decompor-se-á
antes.
frango
a passarinho
Mariazinha
não é qualquer uma não. Apesar do nome, posso lhe afirmar que minha
pequena não é dessas que se vê em todo lugar. Tem os pés mais bonitinhos
da cidade. Tão perfeitos que dá até pena vê-los pisar o chão. Não é das
mais direitas, nem das mais esquerdas. Mas as más línguas de todo mundo
falam e se não falam é só porque há coisa ainda pior a se dizer.
Meu
amorzinho deu sorte. Sou modesto, mas confesso que mulher pra mim não
falta, só que os pés de Mariazinha me prenderam forte. Só que minha
pequena, que não é flor que se cheire, apesar de cheirosa que só, inventou
de dar o cangote pra outro.
As
más línguas deram a falar e falar e falar da Mariazinha, ela não me
merecia, eu era besta, podia ter coisa melhor. Eu sei, elas queriam mesmo
é que no lugar do pescoço da minha pequena, estivesse o delas. Me apiedei.
Afinal, flor pra cheirar nunca é de mais e más línguas são boas em alguns
lugares.
Mariazinha
foi pro freezer cortada em pedacinhos e embalada no saco. Dedinhos fritos,
depois de ser sugado por mil línguas malvadas e mal comidas, são sempre
bons pra encher a barriga e o orgulho.
torradas
queimadas
São
pães carbonizados. É como apagar a luz e ver aqueles fiapos de claridade
no quarto, entrando pelas frestas da porta, que são os pedaços que a gente
come.
Era
uma brincadeira boba, quase infantil, aquela que eles faziam em algumas
noites. Se ele não quisesse nada, bastava deixar a luz acesa e Bia não
abria a porta. O serviço não era cobrado, pois, como eu disse, não era bem
um serviço. A janela ficava sempre aberta, e quando tinha vontade, Bia
olhava para lá. Se visse nada mais que um breu, subia as
escadas.
Fecha
a porta de uma vez e ele reclama da demora. Bia conta alguma coisa do seu
dia e puxa uma cadeira. Ele senta na borda da cama. A respiração de Bia
não precisa de claridade para ser sentida. Bia conta que vai tirar a roupa
e o tecido faz barulho. Ela solta os cabelos cheiro de cigarro. Ele se
acostuma com a escuridão e a luz na fresta da porta começa a contornar o
corpo de Bia. Fecha os olhos e completa o contorno. Se
afasta.
Bia
senta na cama e diz que vai embora. A respiração de Bia não precisa de
claridade para ser sentida. Abre a porta, ela sai. Acende a luz e dorme,
sonha.
sintaxe Mas se assim fosse diverso seria do que foi e outra gente e seus desejos sonhados imaginados parte seriam do que nunca foi pois se de outro modo fosse consequências outras que não essas com fome frio desalento e abandono e que são dois. Da menina o olhar que nem de véspera de alegria é o meu pois que espera pelo que acontecido seria se acontecido tivesse sido. Do menino o sorriso de dia seguinte é o seu pois certeza de ter feito acontecer o contrário prometido. E o mas não adversa foge à regra e integra e a elipse não é do verbo que esse fez. Eu, sujeito inexistente.
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