edição 6 | maio de 2006
liberdade

 

fedex 
bruna beber

as linhas aéreas

riscam no azul garrafa

plástica dágua do céu

o destino dos pombos

mais pesados

que o ar

 

zéfiro me galgará

como galga as plumas

dos descamisados

e me levará mudo

no pause do gravador

até o silêncio de um deserto

 

quero morrer

voando.

 

 

 

liberdade
dominique lotte

...sangrando e sangrento. um murmúrio, um sussurro: Suzana, Suzana, Suuu... corro assustada, tropeço na escuridão, galhos e folhagens fantasmas malignos acariciam meu rosto, tateiam meu corpo, Suzana, Suzana, Suuu... acaricio-me selvagem, gotas de orgasmo pingam das nuvens, a lua semicoberta sorri caolha... Suuu... sirenes, holofotes, latidos de cães, mergulho nas águas, flutuo na correnteza, liberdade!

...faca cortando a pele, rasgando a carne, estropiando o corpo, sangue escoando,  pingando do rosto, afogando minha alma...

...a liberdade se afasta, me ilude, me escapa!

 

 

 

 

4 sonetos
eugênia fernandes
 

soneto IV

 

Meus recursos estão minados,

garimpados à exaustão.

Se o humano é incerto fado

o corpo navega em vão?

 

Tudo meu foi profanado

e me esqueci de toda oração.

O mundo é cavalo dado

que implicamos com a dentição.

 

Senhora dos meus cuidados

na mesa marcada da morte

só perde quem lançar seus dados.

 

E os nossos já estão lançados

mesmo que perguntar não conforte:

- Caçamos ou somos caçados?

 

 

 

 

soneto VI

 

Para Carlos Barbosa

 

A que Deus rezar

às três da madrugada

quando a alma cansada

quer silenciar?

 

À que mãe rogar

na tarde naufragada

quando a carne viciada

quer se atirar?

 

A espécie é um impasse.

Desimporta credo ou classe,

uma etapa no nosso cinismo.

 

Era, tempo, língua ou terra,

cova é caminho e nos ferra,

por isso na beira do abismo, cismo.

 

 

 

 

soneto XVII

 

(Exercício em voz masculina)

 

Feito o condenado por engano

à prisão de longas e contadas horas,

assim nos parece a vida nesse plano

como uma parede que a gente escora.

 

Sei que o mundo não é tão profano.

Contudo, há o insustentável agora, 

torrente que chega à saída do cano,

mas não explode e nem estertora.

 

É como aqui nos catorze versos,

a grade em que me esperneio.  

Um erro é mais feio quando impresso.

 

Mesmo troncho teço meu ponteio -   

um em um pingadamente me confesso

do que duvido e do que não creio.

 

 

 

 

soneto XXI

 

(Exercício em voz masculina)

 

Como quem sonha pegando pássaros no ar,

eu sempre te logro entre meus dedos.

Você que suspeito ser e nunca está,

como rascunho é mais um arremedo.

 

É sonho, certo, mas é um sonho solar

de água de fonte e ventos lêdos,

areia e árvores ambientando o lugar,

mas ei que o sonho se torna azedo

 

e você em proporção se agiganta,

e sufoca o menino que te pensava presa,

em vez de se servir tornou-se a janta.

 

O menino sou eu, claro, sem realeza,

mas no sonho que se dissolve ele planta

sua doida ciranda de incerteza.

 

 

 

 

 

soneto bagunça 
florbela de itamambuca

passarinho que canta no arvoredo

pode arrastar qualquer bater de asa

mas não falta minhoca nunca atrasa

leite no bico doce ou azedo

 

livre? tiro por mim conto no dedo

ah! tá loco eu mais fico presa em casa

tomando o que sobrar de sopa rasa

catando essa bagunça de brinquedo

 

mas corro atrás do mundo atrás do vento

caminho pela areia cruzo o rio

paro em cima da pedra sobra tempo

 

daí pego a nenem mais meus dois fío

que ficam numa creche lá do centro

e volto pro meu ninho... livre, viu?

 

 

 

1 poema 
jane sprenger bodnar

migração da brisa para o jardim de poros

 

hoje não amanheci em mim, ou talvez, no melhor de mim.

como há gerações não se viam olhos azuis na família.

a alma sem óculos, todas as tranças desatadas.

ao menos descalça.

com todos os pássaros do dia pousados na nuca,

ciscando o desejo, à flor dos corpos.

 

 

 

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