edição 7 | junho de 2006
desejo

 

antúrio
adelaide do julinho

lamber sua flor
— tão bela! —
que me espanca

 

o zelador
adriana oliveira

Trocaram o zelador da garagem. Um senhor simpático e muito prestativo deu seu lugar a um homem magro e cabeludo, com  olhos de fome. O radinho de pilhas que costumava ficar sintonizado nas notícias passou a tocar músicas clássicas ou um  insuportável som ambiente.

 

No prédio onde eu moro não tem estacionamento, por isso alugo um box nessa garagem em frente. Entro e saio com o carro em horários diversos. Às oito horas, quando vou à academia, ele está varrendo a calçada. Finjo não perceber o seu olhar de canto para o meu corpo metido em roupas de ginástica. Volto para casa, tomo banho e vou trabalhar. Meu box fica ao fundo, sendo um dos mais distantes do portão. O som dos meus saltos altos ecoa na garagem e se misturam à respiração do homem que  me observa. À noite, essa travessia é iluminada por lâmpadas fotossensíveis ao movimento. 

 

Às vezes, trocamos algumas palavras sobre o tempo. Na verdade, fui eu quem puxou assunto. Tenho essa mania de querer fazer amizade com àqueles que, de alguma maneira, me perturbam. Ele responde aos meus comentários, sem estender a conversa. Não é de muitas palavras. Tem uma voz grave, embora fale baixo, quase sussurrando.  

 

Nesse dia, deixei para ir à academia no final da tarde, pois o trabalho estava acumulado e quanto antes eu chegasse ao escritório seria melhor. Quando saí de lá, cansada e molhada de suor, já começava a escurecer. O trânsito nas proximidades da minha casa estava um inferno, nenhum farol funcionava e os guardas tentavam controlar os ânimos dos motoristas enfurecidos. Faltava luz no bairro e, com a chegada da noite, o caos se aproximava.

 

Consegui fugir do tumulto por uma via lateral. Cheguei à garagem que estava com o portão aberto. Não vi o zelador. Acendi o farol alto para conseguir estacionar na minha vaga. Desliguei o motor, apaguei o farol e peguei a minha bolsa. Quando me virei para fechar a porta, senti um corpo atrás de mim, que me empurrava contra o veículo e uma mão que tapava a minha boca com força. Tentei ver quem era o meu agressor, mas ele não deixou, forçando o meu pescoço para frente. Com a outra mão, ele explorava os meus seios. Ouvimos um barulho de motor. Ele, então, se apressou, baixando as minhas calças e encaixando seu sexo no meu. Senti uma mistura de dor e prazer. Quando ele acabou, me jogou para dentro do carro, se livrando da situação.    

 

Acordo com a luz do sol entrando pelas janelas do meu quarto. Meu corpo dói. As roupas de ginástica me apertam. Minha bolsa está caída e minhas coisas espalhadas pelo chão. Recolho tudo. Olho o relógio do celular que marca oito horas. Vou para o banheiro e me olho no espelho. Quase não me reconheço. Coloco uma roupa para ir trabalhar.        

 

Ouço vozes vindas do portão da garagem. Chego mais perto e vejo dois homens conversando. Um eu conheço: é o Seu João, o zelador. O outro é bem mais jovem e alto.

 

Eles notam a minha presença. Seu João vem na minha direção.

 

— Júlia, esse é o Roberto. Ele vai ficar no meu lugar, enquanto eu tiro umas férias.

 

O homem se aproxima, estendendo a mão:

 

— Oi. Se você precisar de alguma coisa...

 

Sua voz é grave. E ele fala baixo, quase sussurrando.      

 

 

alb
bruna beber

um palito separa
o prazer da dor
um ponto separa
o prazer da dor
é como se você
estivesse numa e
s
c
a
d
a
de três degraus
1
2
3
e do degrau
do meio,
um degrau pra cima
é o prazer
um degrau pra baixo
dor.
aí eu te pergunto
onde dói mais
onde dói menos
e porque me sinto feliz
e triste
ao mesmo tempo.

 

 

 

 

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