edição 7 | junho
de 2006
6 poemas * à toa estão as ondas e o seu perfume de falésias explodindo imprimindo no verde espumas brancas brumas em que me perco teu ventre sempre sente quando
estou por perto aperto as tuas pernas no deserto no sal do sol da praia marasmo maresia mar de dia à noite saltos ornamentais na cama d'água me visto de ressaca ao fim
do azul do céu seus lábios roxos de escorrega seu principal desejo sentir meu colo no teu colo
e colados feridas serem sérias entidades do
mar calmaria agora que em teu
rosto sardas há ah yemanjá camboja o copo a noite a morte enfim o grito de socorro a britadeira ou o som do motor no dentista faz desaguar o mar que há numa criança mija alvo de palavra a boca do corpo a borda do copo a borda da mata borda no céu do brasil seu modo de vista, razão ou duodenite no portador de mim ocaso concluo q sai muito
arfei afim do ciclone clonado em você dentadura só quero seu corpo no copo sem aviso tatuagem no ventre vale balança a bandeira na mão bolina o mastro do espasmo todo o corpo é seu tremor tsunami terremoto composição sobre o corpo
tudo e nada como se não fosse fóssil o corpo físsil explode como se não fosse fácil ofício de corpo oco implode como se não for flor corpo tudo pode
a leveza do desejo Conheceram-se no supermercado.
A gordinha empurrava com braços roliços o carrinho abarrotado de compras.
Os pequenos olhos oblíquos compenetrados. Ir às compras, para ela, tinha
lá suas magias. Animava entregar-se à falácia do consumo. Os prazeres
da vida gastronômica. Arrumar os produtos dentro do carrinho também
lhe despertava a verve artística, organizada que era, dispondo as embalagens
categoricamente. Rumava viciosa para a seção de doce. Sua selva de glicose.
Chocolates, sucrilhos, biscoitos. Às vezes violava uma embalagem, com
sutileza, provando a crocância de alguma nova guloseima. Depois apressava
os passos miúdos em direção ao recanto da modernidade. O departamento
dos enlatados. Diante das ruidosas promoções, novidades e opções, ela
se divertia. Instalada em seu habitat natural. Seu sagrado santuário.
Na parte dos frios, os frangos congelados pareciam cada vez mais raquíticos.
Pediu ao atendente uns filés gordos e sangrentos, apontando com seus
dedos anões. Enquanto o rapaz de avental fatiava a carne, ela imaginava-se
estirada naquela mesa, sendo retalhada em vários bifes avermelhados
e suculentos. Costelas. Lombos. Peitos. Ancas. Glúteos. Em casa, mastigaria
com vontade aqueles nacos suculentos, as fibras carnais, satisfazendo
o seu ímpeto canibalesco como se triturasse com seus caninos impiedosos
aquelas anoréxicas modelos das revistas. E, num inesperado salivante,
ela o viu. Ele, sim, ele. Parado no meio de um corredor. E ele a enxergou
também. Dois olhares cruzados na solidão das pilhas de embalagens. E
a gorda apaixonou-se. Pouco lhe importava quem era e de onde vinha.
Apenas o queria, todinho, para sempre. Ao final das compras - que logo
terminou - ele já estava em sua casa, fazendo parte da sua vida. Falava
muito pouco. Mas em compensação a ouvia muito. Nunca discutia e nem
a recriminava, fosse por qualquer motivo, inclusive a obesidade. Ao
contrário, desconfiava que ele até a preferia mais cheinha. Sua existência
parecia incentivá-la a ser. Esteve ao seu lado em todos os momentos,
a partir de então. Gostava de assistir televisão na companhia dele,
desfrutá-lo após as refeições e compartilhar com ele o seu mundinho
doméstico. Agradecia aos céus por ele ter aparecido em seu caminho,
fosse coincidência ou desígnio cósmico. Ele a fazia uma mulher completa.
Não mais desejou emagrecer. Parou de sofrer com as tops etiópicas. Aprendeu
a apreciar ficar em casa nos finais de semana e permanecia fiel durante
os anos em que viveram juntos. Era feliz e sabia. Como sabia também
que um dia tudo findaria, porque as felicidades acabam, ou não seria
felicidade, se não deixasse história. E quando acontecesse, teria saudades.
E sofreria muito. E tentaria substituí-lo. E sentiria falta daquele
amor pitoresco, do gosto, do cheiro, do toque, de acordar de manhã radiante
e sedenta, abraçados, ele em seu colo ou ao seu lado, mesmo que já estivesse
derretido. Sabia - e se preparava - para o dia em que, no seu armário
ou na estante do supermercado - não haveria um outro pote esperando
por ela, quando encerrassem a fabricação do seu sorvete preferido.
jamais perca a cabeça Na
China antiga as cabeças rolavam. Nada podia ser mais cruel para uma
cabeça do que ser derrotada, decapitada e atirada aos pés dos vencedores.
Nossa cabeça transformava-se em bola de futebol para o divertimento
dos nossos inimigos. Era essa a triste história que minha mãe me contava.
Aprendeu do seu pai, que aprendeu do seu avô, que aprendeu do seu bisavô
africano, que aprendeu do seu dono português. Todos fanáticos por futebol. Desde
bebê minha mãe queria que eu fosse jogador de futebol. Todos os meus
tios e primos já tinham tentado entrar pra algum time. Eu não poderia
fugir à regra. -
Perna de pau! - minha mãe berrava comigo o tempo todo, não tinha jeito.
- Me mato o dia inteiro: lavo, passo, esfrego, cozinho e você não reconhece o meu esforço! Vou
mandar você de volta pro morro. Seu pai vai dar um jeito. Aqui você
virou um bunda-mole, um bostinha fresco, de tão mimado que foi. -
Não quero voltar pro morro. Quero estudar e ser doutor, m-é-d-i-c-o. Como
sempre, fiquei trancado no quartinho da empregada. No mesmo dia eu fugi
de lá. Não voltava pro
morro nem que me matassem. Morar com meu pai, que nem me reconheceu
como filho? Um drogado, um bandido. Nem morto! Lá sim, eu ia virar defunto
mesmo. Era como a história do futebol. Minha cabeça ia rolar. Então
eu fugi. Passei fome, fui roubado e humilhado. Uns dias depois voltei
com o rabo entre as pernas. -
Bunda mole! Vai morar com o seu pai, sim. Vai virar homem e tomar vergonha
nessa cara. Pois
é, meti os pés pelas mãos e fui direto pro morro. Estava tudo acertado.
Meu pai agora é um traficante famoso, me coloca fácil no time do Alemão.
O Alemão diz que conserta qualquer perna de pau. Era só deixar o garoto
com ele. Depois de um mês era garantido, estaria jogando um bolaço.
Até que no começo o Alemão me deixava
estudar e só dava treino no final da tarde. A primeira semana
foi assim meio morna, creio que ele estava me testando. Ele logo viu
que comigo a coisa não ia ser tão fácil, eu era um perna de pau. -
E aí, garoto, em que posição
você quer jogar? Eu
olhei pra cara do Alemão e respondi na lata: -
Em nenhuma, quero ir embora desta pocilga e quero que você se dane. O
Alemão começou a rir e me deu um soco direto no estômago. Meu diafragma
deslocou, o pâncreas quase estourou, expeli todo o ar armazenado e fiquei
um bom tempo sem fôlego. -
Filho da puta! - gritei,
quando o fôlego voltou. Quis
dar um soco na carranca pálida daquele imbecil. Mas ele foi mais rápido
e desviou. Depois segurou o meu braço e me fez cair de joelhos, quase
enfiando a minha cara, no seu pau duro de tesão. -
Moleque, até que você é corajoso. Puxou o pai - disse
rindo e depois me soltou. - Da próxima vez eu te pego pra valer e você
vai ficar de molho por uns bons dias. Tá avisado. Primeira regra, obedecer
sem fazer perguntas. Segunda regra, ou você me fode ou eu te fodo. Terceira
regra: nunca quebrar as regras. Saí
chutando o ar, com dor no estômago. Desse dia em diante o Alemão começou
a pegar pesado. Me fazia correr até pôr os bofes pra fora. Fiquei com
os pés em carne viva e as pernas moídas de tanto exercício, meu corpo
parecia carne moída. Todo
dia eu chorava e pedia pra ir embora dali, implorava pra voltar pra
casa. Eu odiava futebol e todos dali. Odiava a minha mãe por ela ter
me enviado pro inferno. O
Alemão começou a me chamar de viadinho chorão e todos repetiam em coro. Os
dias eram intermináveis. Não pude voltar pra casa da minha mãe no final
de semana, eu estava em concentração. -
Nada de mulheres, esse final de semana você é nosso - disse o Alemão.
Eu
não tinha entendido o sentido da ameaça e, ingênuo, não fugi. Fiquei
e fui currado ali na concentração por toda a equipe. No começo senti
pavor, mas depois comecei a gostar e até senti prazer. Aqueles corpos
grandes e suados depois do treino, todos querendo se servir de mim.
Me senti querido, desejado, apesar de todos estarem a fim de literalmente
me foder. Me chamavam de Maria, Mônica, Gigi e de tudo quanto era nome
de puta. Passei a ser a vagabunda reserva deles. O Alemão tinha razão.
Eu era um viado mesmo. O
Alemão chamou meu pai. O velho me espancou quase até a morte. Para ele
era um desonra ter um filho bicha. Ele, o poderoso, o destemido. Já
tinha transado e até estuprado várias mulheres do morro. Como poderia
ter um filho viado? -
Foi culpa da vaca da sua mãe. Ela te criou como mulherzinha. Bem que
eu achei que você não era meu filho, mas a puta me encheu tanto o saco,
agora ela vai pagar. Nunca
tinha visto um olhar como aquele. Olhar de vingança e de morte. Tentei
chamar alguém, tentei pedir socorro, mas desmaiei. Depois
de três dias, acordei. O Alemão me contou a tragédia. Meu pai havia
matado a minha mãe, mas antes de morrer ela tinha enfiado uma faca no
bucho dele. Meu pai morreu dois dias depois. Herdei
a casa do morro e descobri que lá havia muitos dólares escondidos. Peguei
as verdinhas e resolvi doar a casa pra uma creche. Resolvi ir embora
pra sempre. Passei no Alemão pra me despedir. -
Alemão filho da puta, tô indo embora desta merda. Vou estudar e virar
doutor. Não sirvo pro futebol. Vim te agradecer. -
Agradecer o quê, viadinho chorão? -
Só agradecer. -
Moleque safado, agora tá rico e vai deixar o Alemão? -
Jamais. Vou te levar junto. Descobri que quero ter você sempre do meu
lado. -
Do que você tá falando, seu bichinha de merda? - essas foram as últimas
palavras do Alemão. -
Vou te levar comigo pra sempre - eu repeti. Então,
saquei uma moto-serra e cortei o pescoço do Alemão. A cabeça rolou feito
bola. Meu troféu, mandei fazer uma bola de futebol com ela. Meus
pais, o Alemão e o futebol me ensinaram muito: jamais perca a sua cabeça,
sempre que puder jogue com a cabeça do inimigo. A vida é feita de lances,
jogue pra ganhar. Hoje sou especialista em cirurgia de cabeça e pescoço e ainda adoro os garotos do morro.
8 poemas luxúria coisa de pupila
couvert
puxe pelos
pantomima
prefiro o gesto,
à palavra
umbigo
entremeio
obscuro
*
caridosa tem o maior prazer em dar sem olhar a quem : cheia de bondage venda-se
paladar
na ponta
aimoré
dispense a toalha de mesa, hoje te sirvo o jantar no chão. talheres, não precisa: da entrada, à sobremesa, use dedos, boca, língua. deixe de lado os guardanapos, se lambuze; quero estampado nos lábios um sorriso, muito gozo. luz de velas, não carece: a fogueira do meu corpo reluz e aquece. e vê se esquece as boas maneiras: seja rude, bárbaro, grosso. urre! como selvagens aborígines, comamos, nus. canibais de nós, comamo-nos!
orgasmo
panorâmica a vista [a m p l a] que avisto do alto de nós, nu vens .
planam, enquanto olho [alheia ao risco], sucessivos planos suicidas : bocas camicases, línguas ícaras, louca v i d a .
despida do voyeurismo, ouso um vôo rasante rente ao ritmo .
sismo e pouso, no horizonte do teu gozo, meu ocaso : orgasmo
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