edição 9 | agosto de 2006
sonhos

 

pianice
adelaide do julinho

ai, quem me dera ser o seu piano.
você tocando.
: eu piando.

 

 

tri
adriana oliveira

o cheiro de canela

 

Ao olhar a mesa farta, nem sei por onde começar. São vários os tipos de bolos, pães, misturas e fiambres. Opto por um bolo inglês coberto de chocolate. Dou a primeira mordida e algo estranho acontece. Um dos meus dentes cai, ficando preso ao bolo. Na boca, um gosto de sangue. Pego um guardanapo para estancar o ferimento. Guardo o dente, pois posso precisar. Vejo um pão doce, com uns farelos por cima, feitos de açúcar e canela. O cheiro da canela me seduz. Coloco-o todo na boca. Ao mastigar, sinto que meus dentes estão amolecendo, se desprendendo da gengiva e juntando-se à massa do pão. Nessa mordida, perdi mais da metade delels e, os que ainda restam, estão por um fio. Começo a chorar em descompasso e acordo com um gosto de sal. Acendo a luz e me olho no espelho, sorrindo.

 

 

a perseguição

 

Caminho por uma rua pouco iluminada. Sinto alguém vindo atrás de mim. Aperto o passo. A sensação fica mais forte. Escuto uma respiração forçada. Não tenho coragem para me virar. Estou quase correndo. A presença está cada vez mais próxima. Tento gritar, mas a minha voz não sai. Fica na garganta, sufocando-a. Dou um passo em falso. Vejo um rosto conhecido. É meu pai que segura a minha mão, impedindo que eu caía. Sinto um conforto momentâneo. Mas olho para o lado e ele não está mais lá. Estou sozinha de novo e a presença me espreita. Saio correndo em disparada. Uma corrida louca para o nada. A perseguição continua, agora, no telhado de um prédio. Salto de um telhado para o outro. Não adianta, está cada vez mais perto. Mais perto. Sinto um frio no estômago ao me atirar do telhado. Vou caindo até tocar o chão. O barulho acorda o meu marido que pergunta como fui parar ali.       

 

 

ela

 

Tem algo nessa velha que me é familiar. Algo ruim. Sua imagem me causa arrepios. O pior é que ela aparece em todo lugar. Quando estou em uma roda de amigos, ela se aproxima e pára do meu lado a escutar. Usa óculos grandes e quadrados, com armação marrom e lentes grossas. Seu cabelo é todo branco, nem curto, nem comprido. Só branco. Sua expressão é sempre austera. Vejo meu irmão quando ele tinha nove anos de idade, saindo do colégio. Ele se despede dos amigos e arrasta a mochila a caminho de casa. A velha o está seguindo. Ele nem se dá conta. Eu fico nervosa assistindo a tudo, sofrendo, pela ameaça de perigo. Vou ao seu encontro, correndo. A velha diminui. Eu passo o braço por cima dos ombros de meu irmão, protegendo-o. Olho para trás e ela não está mais ali. Reaparece em meu quarto. Tira os óculos para deixá-los ao meu lado na cama. Acordo aos berros.

     

 

 

 

 

duenssas
bruna beber
 

lacra o envelope
com cuspe respinga os outros papéis
de carta sobre a mesa

tenho febre
e penso sobre as batidas de luz
das máquinas de fotografia nos parques públicos

ali dentro a poeira das mãos
de quem acabou de chegar da rua
com uma idéia pra anotar em algum lugar

no meu rosto avermelhado
os sons se correspondem
com os da banda marcial do colégio

ali dentro choveu, era falsa a chuva
também eram falsas as lágrimas
caídas do ar condicionado na janela

digitais, meus sonhos agora, digitais
eu vejo beijos, vejo alguém me chamando
pra dançar

continha um quebra-cabeça
de farelo de pão sobre o tempo
e seu dois mil e seis fragmentos:

saiba mais

sobre os delírios de agosto
domingo à noite
depois do Fantástico.

 

 

 

 

 

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