edição 14 | março de 2007
cinema

 

laranja mecânica
romina conti

A arte maior de Walter Benjamin. Uma sinuca de bico todo o dia. Só consigo falar de você tatuagem nua. Em alguma manhã como agora estarei acordado e escrevendo de novo a você ou será a última vez que Tróia será invadida. Mataram Agamenon. Glauber Rocha era quem sabia fazer cinema. Com a máquina na mão e um berro na garganta. Um berro na mão e um berro na mão de Lampião. Dois berros que berravam. Alguém chega bem próximo de mim. Agora estou tão longe e com péssimos sentimentos sobre o mundo. Você traiu? Perguntei a um amigo como foi. Se teve muita festa e cerveja. Se foi uma reunião social. Me falaram que foi um bacanal. E você não se portou bem. Estou tão distante agora que não quero mais falar com você nem mais um segundo. O telefone não toca e com o movimento da terra tão cansada sobre seu eixo e durante todo o tempo todas estas voltas sobre si que ela deu. Imagina nós rodando num espeto de churrasco. Quem ficará até o fim do campeonato? Por que estes caras darão as cartas e continuarão ganhando o jogo? Tudo não passa de uma ação entre amigos. Cinema é uma arte menor hoje em dia porque se prende ao realismo quando deveria ser mais do que um documentário. Alguma barreira astuta me impede de tocar em mim. Nasceu o oculto e frágil olhar. Nasceu. Nasceu. O ódio nasceu.

 

 

 

 



a história da mulher que morava no cinema
santa maria

E nada, para ela, é tudo.

Santa Maria

 

Noites e noites, assim que os clientes da última sessão adentram carregando seus bilhetes, o porteiro a avista no fim da fila. E lhe dá livre passagem. Um faz de conta que não percebe o outro. E ninguém percebe nada. Entre sacolas e sacos, panos e farrapos, a mulher de rosto curvo, torso brusco, jeito turvo, acomoda-se na primeira fileira. Pouco é percebida. Está acostumada a não ser. Gosta do meio nada. E nada, para ela, é tudo. O escuro do ambiente é o seu doce creme noturno. A maciez da poltrona é um carinhoso afago. Mesmo o clarão tremulante da tela não a incomoda. Tampouco a sonoplastia estridente. Uma porta que entreabre sozinha para o fantasma entrar. O grito de uma granada explodindo um guerrilheiro. O beijo de amor das promessas famintas. O terror, a guerra e o romance não lhe pertencem. Pertence-lhe apenas aquele instante. A sala do cinema, um luxuoso quarto. Aposento cinco estrelas, aconchegante e quente. Pouso para asas cansadas. Túmulo para um corpo exalando cidade. Lá, não ouve. Não vê. Não sente. Nada de fora lhe atinge mais. A desolação das pessoas. O frio da calçada. A garfada da fome. Enquanto a platéia sonha, acordada e ereta, assistindo outras vidas dos filmes de mentira, ela cerra suas pálpebras e tomba lenta a cabeça, para morrer por algumas horas, esquecida e torta, em seu filme de verdade. 

 

 



no cinema

tereza yamashita

Para Adília Lopes

 

 

Em Cartas de Iwo Jima

Eu fui o soldado das três vidas

Do general, das cartas e do meu filho

 

Em Nascidos em bordéis

Eu fui a menina que sonhou

Que poderia ser fotógrafa

 

Em Peixe Grande e suas histórias maravilhosas

Eu fui o filho que não queria entender

As histórias do pai

 

Em o Último dos moicanos

Eu fui o guerreiro que

Amava a liberdade

 

Em Joana D'Arc

Eu fui destemida, a heroína virgem

De Deus e de mim mesma

 

Em Frida

Eu fui a artista da desintegração

O auto-retrato da minha realidade

 

Em O diabo veste Prada

Eu fui o tridente que acena e seduz

Que se equilibra num salto alto

 

Em Guerra nas estrelas

Eu fui o lado negro

Do pai e do filho

 

Em Happy Feet, o pingüim

Eu fui a diferença

Eu fui a dança do amor

 

Em Chocolate

Eu fui o doce

E o amargo do ser

 

Em Memórias de uma Gueixa

Eu fui a mulher

De muitos homens e de nenhum

 

Em Christiane F.

Eu fui a adolescente que se drogou,

Que se violentou

 

Em Dançando no escuro

Eu fui a inocência e a entrega absoluta

Os olhos pra ver

 

 

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2 poemas
valéria tarelho

pecado original

 

se eva me ouvisse
[e não à serpente]
teria (a)provado
outro fruto
algo menos verde
maduro de tudo
 

aguardaria no éden
novo élan da criação
:

um tipo james dean
um ar de alan delon
um it brad pitt

 

[ou qualquer um

dos james bond]

adão?


[tsc tsc tsc]
puta falta de opção!

 

 

 

mimese hollywoodiana

 

julieta
aventureira
trocou romeu
por robin hood

 

e viveu
um lance
fast-food

 

["para sempre"
é (un)happy end
de filminho démodé]

 

 

 

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