edição 18 | julho de 2007
em nome da mãe

 

não tinha direito a gerar.

seus melhores filhos foram deixados à porta de seus acasos.

uma porta sempre aberta para quando partissem,

sem adeus e sem palavras.

 

 

 

como se faz uma monstra
marília kubota

Ele saltou da cadeira, voando com o lençol nas costas. Era o grande morcego que comia abóboras falantes.

- Tchelo, vai pra cama.

A Monstra montada no cavalo-vassoura queria impedi-lo de continuar brincando.  Não, seria o fim do mundo do faz-de-conta.

Pegou o carro com três rodas mambembes e fugiu para o Vale das Neves. 

- Ô guri, não enfia o carrinho no açúcar. Deixa isto aí.

A Monstra o descobriu. Devia fugir para um lugar onde não pudesse ser encontrado. Antes devia achar uma arma para combater a Monstra. Podia ser a Espada Secreta. 

- Aí, põe o guarda-chuva de teu pai no lugar.

Sabia que a Monstra confundiria a Espada Secreta com o guarda-chuva do pai. Monstras não são muito espertas. Acham que os super-heróis bagunçam o mundo.  

A Espada Secreta o protegeria dos raios das reclamações mortais da Monstra.

- Pára de abrir este guarda-chuva, moleque.

Os raios de mau-humor tornavam-se mais fortes! Ele tinha que reagir. Felizmente encontrou o tanque-ceboleiro e passou a disparar.

- Que peste. Deixa as minhas cebolas em paz.

A Monstra acha que é dona do tanque-ceboleiro. Os tanques-ceboleiros foram inventados pelos Cientistas Malucos da Cozinha para combater Maesmonstras. 

- Aqui não é lugar de brincadeira. Vai dormir antes que eu perca a paciência com você.       

Opa, esta tática já era conhecida! A Monstra costumava dar estes avisos antes de se lançar com fúria sobre ele e levá-lo pelas orelhas até o quarto.  Precisava do tanque-batateiro e do tanque-alheiro.

- Eu te mato, seu desgraçado.

A Monstra vinha dar o golpe final, mas nesta hora abriu-se a porta da cozinha e o Monstro chegou.

- Calma, o que você vai fazer?

-  Esta peste só faz bagunça. Leva ele daqui.

O Monstro virou ele de ponta cabeça, veio fazendo cócegas na barriga até ele pedir água. Ele pediu água, o Monstro deu um copo com água, beijou ele, disse tiamo, deu boa-noite e apagou a luz. No escuro ele ficou contando as estrelinhas luminosas do teto até 97 depois seu olho foi fechando sem ele querer. Só acordou no outro dia, aí a Monstra desmonstrou e abraçava ele, tão bonita, agora em nome da Mãe.

 

 

maria eulina
mariza lourenço

Maria Eulina adora brincadeiras de roda. Passa os dias, e parte da noite, com os ouvidos grudados na pequena vitrola cor-de-rosa. Conhece de cor todas as músicas.

 

Sem amigos para formar uma roda, diverte-se com as bonecas, a mãe e a empregada. Também sonha com príncipes encantados e diz que vai se casar com um bem bonito, que a levará embora em um cavalo branco alado.

 

Maria Eulina é feliz, mas ultimamente anda sentindo um peso estranho no corpo, um cansaço esquisito. Sente vontade de contar à mãe, mas tem medo de tomar injeção. Prefere se queixar às bonecas, ou à fada bonita que vem visitá-la de vez em quando. Outro dia pediu à fada que lhe mostrasse as asas e a fada mostrou: eram lindas, parecidas com duas lágrimas gigantes.

 

Pensando bem, talvez fosse melhor ser fada à princesa encantada. Quem sabe, assim, a mãe e a empregada deixassem de lado aquele jeito triste todas as vezes que a olham.

 

Maria Eulina tem 19 anos, está grávida e não sabe quem é o pai de seu filho.

 

Pode ser qualquer um.

 

Maria Eulina é feliz.

 

Um anjo feliz que habita um mundo cruel e doente. E ela nem sabe.

 

 

Nota da autora: a maternidade, entre tantos acontecimentos na vida de uma mulher, talvez seja o mais bonito. Refiro-me, no entanto, à maternidade consentida e desejada. Porque, de resto, a decisão em gestar e parir cabe somente à mulher.

 

 

 

compartilhar:

 
 
temas | escritoras | ex-suicidas | convidadas | notícias | créditos | elos | >>>