edição 32
| novembro de
2008
roteiro cena
4 (a
luz azul está em todo palco, no telão, cenas em preto e branco de suas
juventudes respectivamente em cada telão, as cenas parecem se confundir
como se fossem dois pontos de vistas da mesma situação, mas ela não
aparece no telão dele, nem ele no dela. Ele no palco tocando observando um
grupo de garotas na platéia, ela em um outro show, com amigas na platéia.
Ela na faculdade passeando com uma turma pelo campus passa por um grupo de
rapazes cabeludos sentados no gramado, no telão dele, ele, no gramado com
amigos, enquanto passa um grupo de moças — não é o mesmo grupo nas duas
cenas, não é a mesma faculdade, as cenas devem dar idéia de sincronicidade
sem o ser.) Nágila
– (sorrindo) A juventude é azul. A inocência é um véu azul que cobre o
mundo (pausa breve) ou será que ao perdê-la é que ele se veste de cinza?
(nova pausa breve) Pintávamos a cara, íamos em passeatas, boicotávamos a
comida da faculdade. O presidente do DCE se achava parecido com o Che
Guevara, até usava uma boina. Cris contou que no meio de uma transa, em
uma barraca de um Fórum Mundial, ele se empolgou e gritou: Hasta la Victória, Siempre!!! Ela
se assustou e teve um ataque de riso, o Fê broxou feio e ficou super
constrangido, foi aí que ela gamou. Para descontrair, brincou: Hay que endurecer, senon perco la
ternura!!! Foi a vez dele ficar caidinho (no bom sentido). No dia da
formatura nasceram os gêmeos: Olga e Ernesto. Ainda estão casados, ele
está gordo, careca e é sub-secretário do meio-ambiente numa prefeitura de
direita, no interior. Ano passado tiveram outro filho: o Fernando
Henrique... Júnior. (Nágila ri, balança a cabeça e continua em cena como
se ouvisse a conversa de Joel, mas sem olhá-lo
diretamente.). Joel
– (Também animado e nostálgico) A gente andava de um jeito cadenciado,
peito para frente, encarando as pessoas, marcando os passos, como os
vilões do cinema. (Anda pelo palco mostrando) Até o dia em que conheci a
Susi, japinha tatuada e aluna de artes cênicas, que me disse que andavam
daquele jeito para marcar o ritmo da trilha sonora, isso dava um bom
efeito áudiovisual. Existe algo mais dissimulado que isso? Naquele momento
eu fui expulso do paraíso por uma Eva nissei. Desisti definitivamente de
morrer num trágico acidente aéreo em pleno auge de minha carreira de
rock-star. O dia estava azul, ficou nublado... cinza. (Ri, balança a
cabeça como Nágila, ambos esperam o final da cena como se refletissem, a
luz azul vai se apagando, fica cinza e começa a aumentar para vermelho,
preparando a próxima cena.) (Fim
da cena 4) cena
5 (A
luz vermelha domina o ambiente, no telão de ambos começam cenas de suas
vidas atuais, dos momentos de gozo da liberdade que suas vitórias pessoais
lhes proporcionam, jantares, passeios de carro pela cidade, belas roupas,
champagnes. As cenas ainda são sincrônicas e com locações e personagens
diferentes, ambos animados vão até um canto da sala, pegam um tamborete e
levam-no para a linha imaginária que divide os dois apartamentos e se
sentam lado a lado, falam como se conversassem, mas sem se olhar, estão de
frente para a platéia.) Nágila
– Tá!!! Tá!!! Estou fazendo drama, a vida agora também está boa, tem seus
momentos, suas vantagens, liberdade, independência financeira, chegar em
casa de madrugada, não chegar em casa, viagens sem álibis forjados
...sexo... (Joel olha para ela debochado)... ocasional, é verdade, mas
ainda na lista das vantagens. Joel
– (Fala como se continuasse a conversa) É, foi uma troca justa, grana,
viagens, hotéis, meus vinhos, meus filmes, meus cds, meus livros, gatas em
casa... fumar baseado na sala (Nágila olha para ele interrogativa e ele
responde) Ocasionalmente!!! (dá uma piscadela para ela e comenta com a
platéia ) Parece minha mãe!!! (voltam a agir como não se vissem) Confesso:
estou melhor agora! (Levantam-se, pegam os tamboretes e os recolocam no
lugar, Nágila pega uma rosa vermelha no vaso de flor e encaminham-se para
o centro do palco, enquanto a música vai encerrando e a luz muda
lentamente de vermelho para azul, ambos observam a mudança da
iluminação) (Fim
da cena 5) cena
6 (No
telão cenas de tango, Nágila e Joel, depois de observarem a iluminação,
suas expressões são de convicção, mas levemente inseguros, ela pega a
rosa, coloca na lapela dele, ele a olha cúmplice e começam a dançar pelos
dois apartamentos improvisando um tango, conversam:)
Nágila
– É, eu sou feliz, bem feliz. Joel
– Sou plenamente realizado. Nágila
– Sério! Tenho tudo o que poderia sonhar uma pessoa para se considerar
bem-sucedida, não tenho motivos para não ser feliz! Joel
– Não estou duvidando que esteja feliz (pausa, parece que ele fala com
ela, mas está falando de si próprio)... Claro que estou feliz, sou um
advogado que conseguiu fazer seu próprio nome, mesmo trabalhando no
escritório de meu pai, estou prestes a virar juiz (Nágila se impressiona)
Não me falta nada.. Nágila
– Talvez falte um grande amor... Joel
– Um grande amor, talvez... não sinto falta de um grande amor!!! (larga
Nágila, ela volta também, ele olha a rosa em sua lapela, estranha, tira a
rosa, sente seu perfume, a música vai terminando) (Fim
da cena 6) cena
7 (No
telão imagens de velas acesas, a luz do palco é amarela, como se fosse
iluminado pelas velas, Joel ainda tem a rosa na mão, ambos vão rapidamente
para a porta, como se fossem fugir, pegam a maçaneta, desistem, suspiram,
encostam-se na parede que sai do vértice das portas, ficando um de costas
para o outro, separados pela divisória real, ambos com a cabeça baixa,
angustiados) Nágila
– (Enquanto Joel olha a rosa em sua mão) O mais difícil é deixar de
esperar a minha pessoa, aquela que me reconheça e eu a ela pelo olhar, no
instante em que a vir pela primeira vez, que ao me dar a mão eu reconheça
o toque como se tivéssemos caminhado juntos por toda a eternidade. (Ambos
passam a mão pela parede real até as mãos se encontrarem na parede
imaginária do cenário e as entrelaçam.) Joel
– (Ainda na mesma posição) Às vezes penso que existe alguém em algum lugar
que espera ser amada por mim, alguém que preencha o espaço de meus braços
e me torne pleno. (Eles se posicionam na parede imaginária, ela de costas
pra ele, ele a abraça por trás e ele coloca a rosa na mão dela, Joel está
com a testa na nuca dela, como se fosse na parede do apartamento dele,
pensativo, eles se acariciam, a luz é focada somente neles, ela pega a
rosa, cheira e se solta dele, caminha até o vaso e coloca novamente a rosa
nele, enquanto Joel permanece na mesma posição até o final da
cena.) (Fim
da cena 7)
de composição
a
palavra exata cumpre exala certeza a
palavra errada sua pelos
poros da
verdade evapora se
esvai e
fede lágrima
de axila
que é
corpos moídos
O
braço do operário no chão de fábrica num
pequeno céu de sangue planta
a esperança de ser asa.
O
pé preso entre as ferragens desprende-se
do trabalhador e
caminha sozinho para o silêncio. A
mão decepada do funcionário que
não mais manipulará a máquina acena
seu último adeus. A
perna triturada pela engrenagem em
plena pausa do almoço era
a própria carne moída. A
cabeça anônima e órfã do corpo não
olha, não vê, não fala apenas
pensa no fim.
hiv
positivo Sentou-se
na calçada para gozar a primeira verdade que ouviu em sua
vida.
máquina
perfeita Todos
louvam e violam. Ao velho decrépito cabe vigiar a criança
desamparada.
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