edição 42 | setembro de
2010
por trás dos
panos
sem
rasgar sedas e rendas um
dedo em solo de piano nas
minhas partes pudendas [
eu ia dizer escaleta mas não achei a rima ]
3 poemas
índia começo
assim, como quem passa o dedo na seda: cada
dedo um fio, um bicho da seda cada
unha vermelha, um pedaço da Índia continuo
assim, como quem passa a língua na seda: cada
pedaço da língua, um gosto de seda cada
sabor doce, um cravo da Índia termino
assim, como quem passa a vulva na seda: cada
toque na vulva, uma mancha na seda cada
suspiro de gozo, a solidão da Índia. * Amigo Te
quero como aquelas que desenham na pele com a ponta da faca sentadas nos
bancos do antigo mercado e bebem e trepam atrás do balcão e tremem e têm
convulsões e não sentem nada enquanto olham por cima dos seus
ombros. Te
quero com a língua afiada dessas que nasceram no outro século e se
despiram e ofereceram seus peitos vazios de leite, enterraram fetos em
terrenos baldios, castraram filhos e não tiveram vergonha de se
matar. Te
quero colado à minha coxa como estão as duas que atearam fogo ao antigo
sobrado e arrancaram os dormentes da estrada de ferro e se beijaram
deitadas nos trilhos e queimaram cartas e saias e eliminaram para sempre
todas as possibilidades. Amigo
me afogue, me salve, cubra meu corpo com as pedras do fundo até que eu não
respire, até que eu não pronuncie palavra, até que meus olhos não vejam,
até que eu não te queira mais. * Magra, lívida, inda vivo na
fresta dos muros: (o musgo que
cresce nas pedras dessa cidade tão fria: meu vestido de festa: —
Otávio! — Otávio! Coração de dolomita: (minério em pó quando as plantas dos
seus pés pisam o chão dos becos: O vento, a brisa, uma névoa que
adensa: — Otávio! — Otávio! Casaco de avencas: (Fratura exposta: Pelos adros, pelos
largos, a noite caminha com seus longos cabelos de era: breu: Terra
vermelha.
auto lá e cá 1. percorro
perpasso me perco às
escuras até
onde a mão alcança & a vista turva meus
dedos anunciam a
mina daguamel do
vale gramado das coxas brotam
meus abaulados gemidos 2. como
bicho do mato sigo
meu tato atrás
do teu capricho escondido no
mato do teu bicho 3. te
conto histórias de
fadas bem debochadas brincando
atrás do muro com
valetes de pau duro imagino
sem o pensamento só
com a vagina tiro
lá do fundo teu
desejo mais abismal teu
abismo mais desejado enquanto
minha mão encontra o teu pau 4.
abra
em frente ao espelho minha
caixa de pandora loucura
mentira paixão tudo
se espalha no mundo &
me roube o fogo dos deuses pra
sempre escondido escandido entre
minhas pernas 5.
dedo-mindinho seu-vizinho pai-de-todos
fura-bolo mata-piolho cadê
o toucinho que estava aqui a
gata comeu &
lambeu os dedos 6.
ora
na frente ora no verso começo
começo
começo aflita
aflita
aflita
&
me acabo no
berro da boa cabrita 7.
no
cine desluz eu
& minha greta tão garbo coming
soon ... and
that's all folks! 8.
uma
puta vontade uma
vontade de puta &
a solidão minha
melhor companhia 9. num
ônibus rio–são paulo na
festa de aniversário da madrinha numa
cabine de banco 24 horas
nas
escadas do prédio no
banheiro da receita federal em
frente à jaula do leão no
banco de trás de um táxi nos
pedalinhos da lagoa rodrigo de freitas na
torre eiffel atrás
da muralha da china foda-se! 10. bananas
levemente esquentadas com mel pepininhos
com mousse — de maracujá ou de chocolate morangos
com geleia — ai — de pimenta dedo de moça refogue
no fogo brando mexa
de vez em quando 11. no
meio do caminho das minhas pernas tinha
teus dedos no meio do caminho tinha
teus dedos no
meio do caminho das minhas pernas nunca
me esquecerei desse acordecimento na
vida de minha vagina tão re-catada nunca
me esquecerei que no meio do caminho tinha
teus dedos tinha
teus dedos no meio do caminho no
meio do caminho das minhas pernas 12. a
poesia não faz cópia foda
que fode a si própria essa
fome que
se come a
si mesma e a seu nome
3 contos
até
que o orgasmo nos separe
para
João Ubaldo Ribeiro, com paixão O
anseio surge do nada, em qualquer momento ou lugar, e umedeço como se
houvesse um caudaloso rio desaguando ardente no delta entre as minhas
coxas. Quando
estou em casa, não tenho pressa. Combato o bom combate de prolongar ao
infinito o torpor luxuriante. Experimento o intimismo prazer de me
controlar, de não permitir que as mãos cumpram o previsível ofício das
carícias obvias. Sou só pele, desvario, fantasias. Imagino cenas, leio
poemas, ouço Mozart, um banho morno, uma taça de vinho tinto e, já
inevitável, submeto-me ao gozo. Se
estou na rua o simples ato de caminhar é suficiente para me levar ao
ápice. E é como se estivesse sendo possuída por toda aquela gente que
cruza de um lado para o outro com a urgência dos
estúpidos. Ocorre,
às vezes, um homem, uma mulher, que percebe, que me percebe, que se
aproxima, que me abraça, me dá as mãos, que caminha ao lado até que o
orgasmo nos separe. análise
ontológica
para Pedro Dinis Quaderna, que me
ensinou o caminho das pedras do reino Aprendi
com Joseph Priestley que a matéria possui poderes de atração e de
repulsão. Como sempre considerei as palavras como elemento do mundo
material, concreto. Jamais como entidade abstrata, como a alguns possa
parecer, compreendi imediatamente a teoria do teólogo britânico, a quem se
credita, entre tantas outras coisas, a descoberta do oxigênio, que,
frise-se, também não é uma abstração. Sempre
me interessei, desde menina, por questões metafísicas, mais precisamente
da ontologia, que, simplificando, é a parte da filosofia que trata da
realidade, da natureza do ser. As
palavras, entre todos os seres, sempre me atraíram de uma maneira
peculiar, porque, para mim, é como se cada uma delas tivesse, além das
características que nos permite classificá-las morfologicamente, um
caráter próprio, como ocorre com os seres humanos. Portanto, o caráter de
algumas palavras tornam-nas atrativas, o de outras repulsivas. E também
ocorre com as palavras, como com as pessoas, a possibilidade do
logro. Algumas
palavras parecem especialmente dotadas para assumir este caráter. Uma
delas é a palavra proposta, forma substantivada do adjetivo proposto, que
tem parentesco com as palavras proposição, propósito e
proporção Ninguém
precisa ser um gênio para saber que quem nos propõe algo sempre propõe com
o propósito e na proporção que lhe convêm, mas, mesmo sabendo disso,
deixamo-nos lograr porque quase sempre aceitamos a proposta como se
estivéssemos acreditando em uma promessa, palavra de outra raiz
etimológica, mas que a mim parece umbilicalmente ligada à palavra proposta
e que é ainda mais apta ao uso sórdido que amiúde se lhe
dá. Eu
poderia exemplificar citando as propostas e promessas que os políticos nos
oferecem nos períodos pré-eleitorais, mas quando comecei a escrever este
texto o meu propósito era falar acerca da proposta que me vitimou no meu
baile de debutante. Propósito que agora me parece irrelevante cumprir,
porque as palavras me atraíram para
uma outra direção e porque a repulsa às promessas e propostas é
maior, muito maior, que a minha capacidade de análise ontológica da
natureza humana. fêmea Aos
sonhos que não perecem Todos os dias, deitada no tépido banho de banheira, meia hora, depois uma ducha fria, renasço. Rímel, lápis, batom. Qualquer blusa simples branca de algodão funciona como plumas, penas, asas. Voo plena pelas ruas, energizo-me, cresço, brilho. Vivo intensamente. Plena e completamente livre dos preconceitos. Livre da preocupação com a opinião alheia. Realizo-me até que arda envolta em chamas de canela, sálvia e mirra. Realizo-me e pereço para que ressurja com a luz do sol, estranhamente a mesma, mas outra, para a doce rotina de quem se sabe eterna, pétala, cinzas, fêmea, constelação...
na deriva 2 perdi
meu filho, gente, perdi tudo tô
a deriva e não sei, mas vou voltar quase
entrei na canoa do chifrudo da
outra vez, emanjá nem pra me olhar tá
fundo, não da pé, sei la, tá escuro sem
rumo nem razão por que remar quis
jogar tudo fora nesse apuro mas
preferi só flores vai pro mar quem
sabe se de olhar onda que vem e
vai desmoronando areia mas
pra areia é que a onda vem ainda
mais nessa lua cheia que
traz de volta tudo que floreia e
vai recomeçar o nhenhenhem
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