edição 42 | setembro de 2010
temas:  masturbação | proposta | phoenix

 

por trás dos panos
adelaide do julinho

 

sem rasgar sedas e rendas

um dedo em solo de piano

nas minhas partes pudendas

 

[ eu ia dizer escaleta

mas não achei a rima ]

 


©juh moraes

 

3 poemas
adriana versiani

 

índia

 

começo assim, como quem passa o dedo na seda:

cada dedo um fio, um bicho da seda

cada unha vermelha, um pedaço da Índia

 

continuo assim, como quem passa a língua na seda:

cada pedaço da língua, um gosto de seda

cada sabor doce, um cravo da Índia

 

termino assim, como quem passa a vulva na seda:

cada toque na vulva, uma mancha na seda

cada suspiro de gozo, a solidão da Índia.

 

 

 

 

*

 

Amigo

 

Te quero como aquelas que desenham na pele com a ponta da faca sentadas nos bancos do antigo mercado e bebem e trepam atrás do balcão e tremem e têm convulsões e não sentem nada enquanto olham por cima dos seus ombros.

 

Te quero com a língua afiada dessas que nasceram no outro século e se despiram e ofereceram seus peitos vazios de leite, enterraram fetos em terrenos baldios, castraram filhos e não tiveram vergonha de se matar.

 

Te quero colado à minha coxa como estão as duas que atearam fogo ao antigo sobrado e arrancaram os dormentes da estrada de ferro e se beijaram deitadas nos trilhos e queimaram cartas e saias e eliminaram para sempre todas as possibilidades.

 

Amigo me afogue, me salve, cubra meu corpo com as pedras do fundo até que eu não respire, até que eu não pronuncie palavra, até que meus olhos não vejam, até que eu não te queira mais.

 

 

 

 

*

 

Magra, lívida, inda vivo na fresta dos muros: (o musgo que cresce nas pedras dessa cidade tão fria: meu vestido de festa: — Otávio! — Otávio! Coração de dolomita: (minério em pó quando as plantas dos seus pés pisam o chão dos becos: O vento, a brisa, uma névoa que adensa: — Otávio! — Otávio! Casaco de avencas: (Fratura exposta: Pelos adros, pelos largos, a noite caminha com seus longos cabelos de era: breu: Terra vermelha.

 

 

 

 

auto lá e cá
alice barreira

1.

 

percorro perpasso me perco

às escuras

até onde a mão alcança & a vista turva

 

meus dedos anunciam

a mina daguamel

 

do vale gramado das coxas

brotam meus abaulados gemidos

 

 

 

2.

 

como bicho do mato

sigo meu tato

atrás do teu capricho

escondido

no mato do teu bicho

 

 

 

3.

 

te conto histórias

de fadas bem debochadas

 

brincando atrás do muro

com valetes de pau duro

 

imagino sem o pensamento

só com a vagina

 

tiro lá do fundo

teu desejo mais abismal

teu abismo mais desejado

 

enquanto minha mão encontra o teu pau

 

 

 

4.

 

abra em frente ao espelho

minha caixa de pandora

 

loucura mentira paixão

tudo se espalha no mundo

 

& me roube o fogo dos deuses

pra sempre escondido

escandido

entre minhas pernas

 

 

 

5.

 

dedo-mindinho

seu-vizinho

pai-de-todos

fura-bolo

mata-piolho

cadê o toucinho que estava aqui

 

a gata comeu

& lambeu os dedos

 

 

 

6.

 

ora na frente ora no verso

 

começo

 

começo

 

começo

 

aflita

 

aflita

 

aflita

 

& me acabo

 

no berro da boa cabrita

 

 

 

7.

 

no cine desluz

eu & minha greta tão garbo

coming soon

 

...

 

and that's all folks!

 

 

 

 

8.

 

uma puta vontade

uma vontade de puta

& a solidão

minha melhor companhia

 

 

 

9. 

 

num ônibus rio–são paulo

na festa de aniversário da madrinha

numa cabine de banco 24 horas  

nas escadas do prédio

no banheiro da receita federal

em frente à jaula do leão

no banco de trás de um táxi

nos pedalinhos da lagoa rodrigo de freitas

na torre eiffel

atrás da muralha da china

 

foda-se!

 

 

 

10.

 

bananas levemente esquentadas com mel

pepininhos com mousse — de maracujá ou de chocolate

morangos com geleia — ai — de pimenta dedo de moça

 

refogue no fogo brando

mexa de vez em quando

 

 

 

11.

 

no meio do caminho das minhas pernas

tinha teus dedos no meio do caminho

tinha teus dedos

no meio do caminho das minhas pernas

 

nunca me esquecerei desse acordecimento

na vida de minha vagina tão re-catada

nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha teus dedos

tinha teus dedos no meio do caminho

no meio do caminho das minhas pernas

 

 

 

12. 

 

a poesia não faz cópia

foda que fode a si própria

 

essa fome

que se come

 

a si mesma

e a seu nome

     

 

3 contos
carla luma

 

até que o orgasmo nos separe

 

 

para João Ubaldo Ribeiro, com paixão

 

 

O anseio surge do nada, em qualquer momento ou lugar, e umedeço como se houvesse um caudaloso rio desaguando ardente no delta entre as minhas coxas.

 

Quando estou em casa, não tenho pressa. Combato o bom combate de prolongar ao infinito o torpor luxuriante. Experimento o intimismo prazer de me controlar, de não permitir que as mãos cumpram o previsível ofício das carícias obvias. Sou só pele, desvario, fantasias. Imagino cenas, leio poemas, ouço Mozart, um banho morno, uma taça de vinho tinto e, já inevitável, submeto-me ao gozo.

 

Se estou na rua o simples ato de caminhar é suficiente para me levar ao ápice. E é como se estivesse sendo possuída por toda aquela gente que cruza de um lado para o outro com a urgência dos estúpidos.

 

Ocorre, às vezes, um homem, uma mulher, que percebe, que me percebe, que se aproxima, que me abraça, me dá as mãos, que caminha ao lado até que o orgasmo nos separe.

 

 

 

 

análise ontológica

 

                            

                        para Pedro Dinis Quaderna, que me ensinou o caminho das pedras do reino

 

 

Aprendi com Joseph Priestley que a matéria possui poderes de atração e de repulsão. Como sempre considerei as palavras como elemento do mundo material, concreto. Jamais como entidade abstrata, como a alguns possa parecer, compreendi imediatamente a teoria do teólogo britânico, a quem se credita, entre tantas outras coisas, a descoberta do oxigênio, que, frise-se, também não é uma abstração.

 

Sempre me interessei, desde menina, por questões metafísicas, mais precisamente da ontologia, que, simplificando, é a parte da filosofia que trata da realidade, da natureza do ser.

 

As palavras, entre todos os seres, sempre me atraíram de uma maneira peculiar, porque, para mim, é como se cada uma delas tivesse, além das características que nos permite classificá-las morfologicamente, um caráter próprio, como ocorre com os seres humanos. Portanto, o caráter de algumas palavras tornam-nas atrativas, o de outras repulsivas. E também ocorre com as palavras, como com as pessoas, a possibilidade do logro.

 

Algumas palavras parecem especialmente dotadas para assumir este caráter. Uma delas é a palavra proposta, forma substantivada do adjetivo proposto, que tem parentesco com as palavras proposição, propósito e proporção

 

Ninguém precisa ser um gênio para saber que quem nos propõe algo sempre propõe com o propósito e na proporção que lhe convêm, mas, mesmo sabendo disso, deixamo-nos lograr porque quase sempre aceitamos a proposta como se estivéssemos acreditando em uma promessa, palavra de outra raiz etimológica, mas que a mim parece umbilicalmente ligada à palavra proposta e que é ainda mais apta ao uso sórdido que amiúde se lhe dá.

 

Eu poderia exemplificar citando as propostas e promessas que os políticos nos oferecem nos períodos pré-eleitorais, mas quando comecei a escrever este texto o meu propósito era falar acerca da proposta que me vitimou no meu baile de debutante. Propósito que agora me parece irrelevante cumprir, porque as palavras me atraíram para  uma outra direção e porque a repulsa às promessas e propostas é maior, muito maior, que a minha capacidade de análise ontológica da natureza humana.

 

 

 

 

 

fêmea

 

 

Aos sonhos que não perecem

 

Todos os dias, deitada no tépido banho de banheira, meia hora, depois uma ducha fria, renasço. Rímel, lápis, batom. Qualquer blusa simples branca de algodão funciona como plumas, penas, asas. Voo plena pelas ruas, energizo-me, cresço, brilho. Vivo intensamente. Plena e completamente livre dos preconceitos. Livre da preocupação com a opinião alheia. Realizo-me até que arda envolta em chamas de canela, sálvia e mirra. Realizo-me e pereço para que ressurja com a luz do sol, estranhamente a mesma, mas outra, para a doce rotina de quem se sabe eterna, pétala, cinzas, fêmea, constelação...

 

 

na deriva 2
florbela de itamambuca

perdi meu filho, gente, perdi tudo

tô a deriva e não sei, mas vou voltar

quase entrei na canoa do chifrudo

da outra vez, emanjá nem pra me olhar

 

tá fundo, não da pé, sei la, tá escuro

sem rumo nem razão por que remar

quis jogar tudo fora nesse apuro

mas preferi só flores vai pro mar

 

quem sabe se de olhar onda que vem

e vai desmoronando areia

mas pra areia é que a onda vem

 

ainda mais nessa lua cheia

que traz de volta tudo que floreia

e vai recomeçar o nhenhenhem

 

 

 

 

 

 

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