edição 45 | dezembro de
2013 3 poemas sonia viana *
não era
mentira
sentia a dor
do existir
dor que
diferencia
quem
vivencia
a cidade
partida
*
fome de
beleza é infindável
desejo é
infinito
fé é
dom
remove
montanhas
poesia
também
*
bem-me-quer
mal-me-quer
dizia alegre
a menina
despetalando
a flor
fé, mentira, tesão suzana bandeira mentira,
tesão e fé
tudo junto e
revelado
o mundo como
é que gira
tudo junto e
amarrado
com fé, tesão
e mentira?
em fé,
mentira e tesão
tudo junto e
amordaçado
nas pragas do
coração
o mundo é um
passo calado.
2 contos tatiana alves a
última cartada
Era
um rapaz, desses que fazem o estilo poeta incompreendido, meio
deslocado em sua geração. Idealista, tinha em Guevara um modelo e em
Lennon um mentor. Desprezava o consumismo desenfreado e o olhar pragmático
sobre o mundo.
O
ingresso na universidade trouxe-lhe a ágora de que precisava. Os colegas,
convivas no banquete filosófico, atiçavam-lhe o desejo de saber. E, como
de desejos se tratava, não tardou para que desejos outros fossem
despertados. No caso, por outra dileta discípula daquele templo de
conhecimento, ou seja, uma colega de turma. Loura e um tanto fútil, a Dama
de Ouros possuía atributos antes desprezados, mas que, no atual contexto,
excitavam-no.
A
questão é que havia outra dama no jogo. O nobre rei — ou talvez valete,
devido à pouca idade — tinha em sua vida uma dama, esta de Espadas. Para
os entendidos, basta isto para revelar as principais características da
esposa: morena e dominadora.
Esta,
bem mais velha e ignorante do que ele, possuía três filhas — ou joias,
como ela as chamava. Apenas a caçula era dele, mas todas o chamavam de
pai, uma vez que a relação já contava dez anos, quase a idade da do
meio.
Hamsters,
cães, filhas e fraldas não o impediram de ver estrelinhas nos olhos da
colega e de se entregar àquilo que ele vivenciava como um amor sublime.
Apaixonara-se pelo amor.
A
esposa, versada em artes divinatórias, percebeu tudo desde o primeiro dia.
As cartas lhe mostraram. O pedido de separação não a pegou de surpresa,
nem o primeiro intercurso do jovem casal — cujos detalhes ela, sensitiva e
enciumada, captou à distância.
O
canal espiritual que se estabeleceu entre ela e o marido permitiu-lhe
entrever tudo: o mau-caratismo da moça, que se descobriu depois ser casada
com um homem perigoso e vingativo, a ruína do romance estudantil e até o
risco que o rapaz corria.
Após
uma semana, por medo ou desilusão, o rapaz, como o filho pródigo em versão
conjugal, regressou ao lar de onde jamais deveria ter
saído.
A
harmonia parecia ter regressado àquela família feliz. A esposa aproveitou
para desencavar livros que já tinha escrito, curiosamente todos versando
sobre a supremacia feminina, autoajuda de cunho erótico: Domine o Pompoarismo e a relação,
Técnicas de strip-tease para enlouquecer seu homem, Tenha um homem a seus
pés, dentre outros.
Ele,
arrependido por ter batido asas para fora do ninho e envergonhado pelo
sofrimento a ela infligido, era agora o seu principal agente, buscando
formas de divulgar o nome da incansável companheira.
Das
contas em sites de relacionamentos ao blog do rapaz, tudo agora era uma
ode ao casamento. Era o mais submisso e fiel pai de família. Descobrira
que sem a tutela oferecida pela esposa — de guia espiritual a organizadora
de finanças, tudo passava por ela —, ele não era
ninguém.
Mas
quem disse que o coração humano é sensato? E foi assim que ele voltou,
dois meses depois, a conversar com a colega de sala. Os pretextos eram
acadêmicos: a matéria da prova, o trabalho de grupo, mas o fato é que o
diálogo fora restaurado e a ameaça voltava a rondar.
Dia
de matrícula. A esposa vai à faculdade e volta, enfurecida. Que descobrira
tudo. Que na faculdade o nome que constava como sendo o da esposa era o da
outra, da vadia. Que alguém vinha ligando para o celular dela e
desligando, sem nada dizer. Que ela havia pedido aos irmãos, policiais,
que investigassem o que vinha acontecendo, e que eles descobriram gente
muito ardilosa querendo-lhe mal. Que vira nas cartas que a vida dele
estava em risco. Que ele corria perigo.
O
golpe fatal veio quando o marido da vulgar foi até a faculdade esperá-lo
após a aula. Sabia tudo sobre ele. Onde morava, nome das filhas, trabalho.
Um tipo truculento e grosseiro, que afirmava estar disposto a esquecer
tudo e a perdoá-la, desde que o rapaz se afastasse definitivamente, e sem
explicações. Isso era o máximo que o seu orgulho masculino – de homem
poderoso e perigoso – permitia.
O
rapaz fugiu da amante como se ela fosse a própria encarnação do Mal. A
esposa mostrou-se compreensiva — mais até do que a situação pedia —, o que fez aumentar nele o
arrependimento por ter falhado mais uma vez com a mulher da sua vida. Não
a negaria uma terceira vez.
Passado
um mês, ele finalmente oficializou a união, e abriu uma microempresa em
sociedade com ela. Hoje são um casal feliz com as três joias que lhes
abençoam o lar.
Tarde
da noite. O telefone toca e a mulher atende. Tonhão, o primo encrenqueiro
do interior, cobra-lhe, em tom rascante:
—
E o dinheiro? Já tem mais de mês. E ele agora 'tá aí como você queria,
né?
—
Amanhã estará na sua conta. Não ligue nunca mais pra cá,
ouviu? — ela falava baixo, em tom abafado.
—
O moleque caiu direitinho, né? Cheguei a ficar com pena quando o
ameacei.
— a gargalhada de Tonhão ecoou na linha.
—
Amanhã eu deposito. Já disse.
—
Pode deixar, prima. Você nunca mais vai ouvir falar de mim. Eu tenho
palavra.
Ela
desligou, secamente.
—
Quem era, amor?
—
Engano. Volte para o quarto, que eu já
vou. — disse, lançando-lhe
um sorriso promissor.
— Estou te esperando. Não demora... — disse ele, carinhosamente, antes de se recostar no travesseiro.
abre-te, sésamo!
Não
teve anúncio no jornal, nem propaganda boca a boca. Foi por intermédio de
um sujeito, que às vezes parava na birosca perto da casa dela, que Ana
ficou sabendo do emprego. Prédio modesto, na Zona Sul. A madame queria
alguém discreto, do tipo que fala pouco e que sabe ficar invisível no dia
a dia.
— O apartamento é pequeno, como você 'tá
vendo. — a mulher fez um sinal com a mão, exibindo as dimensões da residência. — O trabalho é bem simples: você limpa a casa, e faz um franguinho com
salada pra mim.
— Todo dia? — ela pareceu espantada com a rotina da casa.
— Todo dia. Estou de dieta.
— Tá bom. Entendi. — ela achou que podia pegar mal ficar perguntando muito. E frango e salada
ela sabia fazer.
— O seu quarto fica ali. — disse a mulher, apontando um cubículo, pouco maior do que um closet. — Cabe uma cama de abrir e uma cômoda.
— E ali? — Ana apontou para uma porta fechada.
–
Ah! Aquele é o meu quarto. Mas eu não durmo ali. Preste atenção: nunca
entre nele. Nem para limpar. Nunca abra aquela porta.
Ouviu? — disse ela, alisando uma chave que trazia presa ao
pescoço.
— Claro. Entendi. — respondeu, com olhos e voz baixos.
Os
dias transcorriam sem grandes novidades. Ana acordava, preparava o almoço,
limpava a casa, e abria a cama às oito da noite. Seu celular com tevê
fazia-lhe companhia.
Às
dez horas, o movimento tinha início. O homem que a tinha abordado para
falar do emprego, sujeito forte e mal-encarado, sentava-se na sala, de
braços cruzados. A campainha tocava diversas vezes, e o homem atendia.
Todos falavam baixo, ficavam pouquíssimo tempo, e partiam. Daí a pouco,
outros chegavam.
Um
dia, bem que Ana tentou sondar o mal-encarado para estabelecer
cumplicidade e descobrir o que acontecia ali. Só obteve respostas evasivas
e o conselho de deixar a curiosidade de lado:
— Vou te mandar a real: enxerida aqui não dura, não. — sua expressão continha uma indisfarçável censura.
— Ih, 'rapá,
não quero saber da vida da dona, não. É que eu vi um artista ali outro
dia.
— Os clientes dela são tudo artista. Ela empresta dinheiro 'pra
eles. Deixa quieto.
— E artista lá precisa de dinheiro emprestado?! — Ana riu, não acreditando na suposta dureza de seus ídolos. Todos ali, tão
perto dela. Amava o novo emprego! Quem sabe um dia poderia servir um
cafezinho para algum daqueles astros, e até pedir um autógrafo. Um sonho,
aquele serviço.
— Bom, já te avisei: te mete nisso, não. — respondeu ele, encerrando a conversa.
Com
o passar do tempo, talvez por tédio, talvez por solidão, a patroa começou
a conversar com ela:
— Sabe por que eu não durmo naquele quarto? Porque o meu irmão morreu
ali.
— É mesmo? — perguntou Ana, aterrorizada. — E a senhora 'tava
aqui quando ele passou mal?
— Passou mal? — a mulher deu uma sonora gargalhada. — Fui eu que o matei. — respondeu,
olhar fixo em Ana, para ver a sua reação.
— Foi?! — a empregada recuou, instintivamente.
— Foi, sim. Com um tiro na cabeça.
Diante
de tal revelação, Ana não sabia o que dizer. Mudou rapidamente de assunto,
informando, pateticamente, que o sabão em pó havia terminado. E ela, que
nunca ouvira falar em Barba-Azul, jurou a si mesma jamais chegar perto
daquele quarto. Se havia algo que ela temia nessa vida, mais do que
assassino, era alma penada.
A
rotina na casa mantinha-se a mesma. Ana benzia-se a cada vez que passava
pela porta do quarto trancado. Pediu ao pastor que orasse por ela, pois
precisava muito daquele emprego, para ajudar a sustentar os seis filhos da
irmã caçula. Passava os dias no celular com o namorado e a noite com os
olhos na fechadura, à espera de algum ator famoso que viesse pegar
dinheiro com a patroa. Que devia ser muito rica, pra poder emprestar
dinheiro pra celebridade. Fechava os olhos e adormecia, imaginando-se nas
ilhas e resorts paradisíacos frequentados por aquela
gente.
Um
dia, houve um rebuliço na casa: o mal-encarado não veio. Ela chegou a
ouvir a mulher ao telefone, dizendo que o cara tinha caído. E devia ter sido queda
feia, porque ela nunca mais o viu ali.
Agora,
eram só ela e a patroa. Que um dia recebeu um telefonema e saiu tão
desesperada que esqueceu a chave, que normalmente ficava pendurada em seu
pescoço, na porta do quarto.
O
medo de assombrações rendeu-se à curiosidade. O clique da chave rodando na
fechadura era quase erótico, acelerando os batimentos cardíacos de Ana.
Entrou.
Não
haveria fantasma capaz de deixá-la mais boquiaberta do que o que viu: em
toda a extensão do quarto, pilhas de dinheiro amontoavam-se, além de
joias, casacos caros, uns embrulhos prensados que pareciam o xaxim que ela
comprava para as plantas, e uns pacotinhos menores, com um talco sem
cheiro. E ela, que nunca ouvira falar em Ali-Babá, sentiu o poder do Abre-te,
Sésamo!
— Rogério, cadê tu, homem? Ateeeende!...
— Fala, Nem! — a voz do folgazão revelou que ele estava feliz. Ou talvez com umas doses a
mais.
— Onde é que você 'tá,
homem?
— Tô no Leblon, fazendo um frete.
— Tá com a Kombi?
— Claro, Nem! Depois de tu, ela
é o meu amor! — respondeu ele, com um tom malicioso na voz.
— Eu descobri uma coisa. Um tesouro escondido! Vem pra cá,
agora!
Em
menos de uma hora, a Kombi partia, entulhada. Fora o frete de suas vidas.
Ana nunca mais foi vista por aquelas bandas, nem Rogério fazia mais
carreto. Dizem que foram para o Nordeste, onde hoje ele é um próspero
comerciante. Ana todos os dias ora pela alma do irmão da patroa. Nunca se
sabe...
©thereza portes
10 poemas valéria tarelho fator
50
que
a sorte
não
me solte
na
meia idade
nem
esse sol
[assasino]
me
assalte
no
pôr da vida
peço
paz
pele
de pêsssego
e
esta crença
tão
criança
que
acha: casando passa
dia
santo
II
se
não tem fé
nem
força
tem
um santo remédio
chamado
foda-se
T
- Fa[i]l
tentado
a ter fé
pecou
quando
arriscou
a
superfície
da
alma
—
teflon —
agora
adere
a
toda forma
de
te[n]são
typo
helvetica
georgia
lucida
às
vezes
verdana
descrevo
sua
falácia
em bold
com
essas fontes
nada
comics
depois
me rasgo
f[r]ase
"a
mentira tem pé na culpa"
ora
pílulas
se
o poeta
finge
dor
o
poema
forja
uma
fuga
da
morfina
metáfora
rima
&
heterônimas
aspirinas
o
poeta
—
pessoa —
tanto
mente
quanto
sente
hot
apesar
de pé gelado
tenho
sorte
graças
a um estoque
de
socks:
meias-
verdades
que
ele me deu
de
presente
isso
não
era amor. era pele. em cada encontro, um atropelo. colisão de urgências.
choque de boings em pleno voo. corpos em queda [quase] livre.
destroços.
não,
não era amor. nem pele, aquele bombardeio dentro. dois destróiers com
mísseis nos olhos. teleguiado momento.
azul-afundamento.
não
era nada além. nada a quem. nada na onda-nave que impulsionava o
vício.
isso
existiu por um ciclo. curto-circuito. abalo sísmico. um não sei quê, com
ímã.
cio,
cisma, ou nada disso, sei que mexia.
movediço.
passarinho
verde
já
há
cor
dei
gaivotas
entre
minhas
aspas
—
e pernas
antônio
—
penetram
falas
áridas
[úmidas
ideias]
voe
[vire-se]
inove
"palávidas"
ouse
asas
"libertine-se"
©thereza portes
imaginário feminino
wislawa symbora as
escritoras mentem
comovidamente
verdadeiras
o
tesão
que
deveras sentem
não
porque sejam fingidoras
ou
finjam dores & tensões
de
amor
de
sexo
de
tesão
é
porque são amadoras
em
suas invenções
foram
as primeiras no reino animal
a
saber que tesão
como
a mentira o amor e a fé
é
questão
de
imaginação
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